domingo, 26 de maio de 2013

Professor Peterson Marco de Oliveira Andrade, ex-Diretor da Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão da Santa Casa de Caridade de Diamantina e Hospital de Nossa Senhora da Saúde

Foto - Passadiço Virtual

 

Ele é Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neurofuncional, Mestre em Ciências da Saúde – Faculdade de Medicina – UFMG e Doutor em Neurociências – ICB- UFMG. Foi docente do Centro Universitário Izabela Hendrix (Belo Horizonte) e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucurí – UFVJM – Campus de Diamantina-MG. Nesta última instituição atuou como Diretor da Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão da Santa Casa de Caridade de Diamantina e Hospital de Nossa Senhora da Saúde. É pesquisador na área de saúde coletiva e neurociências, com artigos em periódicos nacionais e internacionais. Atualmente é docente da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF – Departamento de Medicina e Fisioterapia – Campus de Governador Valadares.

Nesta entrevista exclusiva ao Passadiço Virtual o Professor Peterson nos fala sobre a sua passagem por Diamantina, especialmente sobre a sua visão sobre as dificuldades e as perspectivas para a área da saúde em Diamantina e no Vale do Jequitinhonha.

Passadiço Virtual: Professor, fale-nos um pouco de sua trajetória profissional e da experiência de viver e trabalhar em Diamantina.

Professor Peterson Marco: Minha trajetória acadêmica e profissional está relacionada com a saúde pública/coletiva. No ensino médio trabalhei com uma iniciação científica relacionada com o estudo da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, mais conhecida como AIDS. Vivíamos no auge desta doença na década de 90 e se tratava de um assunto com muito destaque nas escolas e meios de comunicação. Entrei no curso de fisioterapia com esta experiência de iniciação científica e ações de educação em saúde em escolas e ONGs. Durante o curso de fisioterapia, mantive o trabalho com projetos extracurriculares através de ações de educação em saúde sobre AIDS e tabagismo. Minha formação foi dentro do modelo biomédico; centrado na doença, no tratamento, reabilitação e na clínica. Por outro lado, eu estava a procura do conhecimento da saúde pública, mas na graduação não tive esta oportunidade de forma concreta. Fiz especialização na UFMG na área de fisioterapia neurofuncional. Durante a especialização, tive um maior contato a pesquisa na área de ciências da reabilitação. Neste curso de pós graduação Lato Sensu fiz disciplinas eletivas de Saúde Pública na Faculdade de Medicina da UFMG. Durante o curso destas disciplinas na UFMG, percebi a lacuna de conhecimento que eu tinha sobre os aspectos conceituais e jurídicos relacionados com a saúde coletiva. As disciplinas que fiz na UFMG foram uma ótima oportunidade para eu relacionar a legislação do SUS com as atraibuições e competências dos profissionais da saúde, definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos da Saúde. Neste momento tive a oportunidade de entrar para a docência no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Nesta instituição estive por seis anos atuando diretamente com os aspectos teóricos e práticos do SUS na atenção básica. Trabalhei no Centro de Saúde Cidade Ozanam em Belo Horizonte. A estrutura e organização deste serviço de atenção básica é até hoje uma referência, pois havia liderança, metas, resultados, trabalho em equipe e muito respeito e valor pelo trabalho do fisioterapeuta na atenção básica. Não tive esta percepção em Diamantina. Encontrei serviços sem nenhuma estrutura para o trabalho das equipes, profissionais desmotivados, alta rotatividade dos profissionais e carência de reuniões das equipes. Diante disso, a experiência de Belo Horizonte passou a ser referência. Além disso, existem unidades básicas em cidades da região de Diamantina, tais como Couto Magalhães de Minas, Datas, Presidente Kubitschek e Gouveia com uma melhor estrutura e organização que Diamantina. Diante disso, percebemos que a gestão pública da saúde, representa o aspecto mais importante para uma atenção à saúde com qualidade e resolubilidade; para o atendimento aos princípios constitucionais do SUS. Diante destas observações, cheguei em Diamantina com vontade de repetir o trabalho de Belo Horizonte, mas o contexto de estrutura, gestão e processos realizados em Diamantina não permitiram muitos avanços. Tive ainda a experiência em cinco hospitais de Belo Horizonte, Nova Lima e Contagem com projetos relacionados com a Política Nacional de Hunanização. Foi uma experiênicia muito rica para os desafios que encontrei na direção dos hospitais de ensino em Diamantina. Sobre a cidade de Diamantina, foi uma excelente experiência. Diamantina apresenta ótimas oportunidades culturais e para o ecoturismo. Além disso, tem ótimos restaurantes e uma população muito acolhedora. Não tenho dúvidas que minha qualidade de vida melhorou muito depois da minha chegada nesta linda cidade. Voltarei para visitar os amigos e curtir o clima frio e acolhedor desta cidade.

2. Passadiço Virtual: Professor Peterson, mesmo que o senhor tenha permanecido pouco tempo na cidade, vemos que conseguiu ter uma diferenciada visão sobre a saúde em nosso município. Quais os principais indicadores e como está a saúde em nossa região? Quais são os nossos principais obstáculos e desafios?

Professor Peterson Marco: Seguem alguns dados abaixo que fundamentam minha opinião sobre o sistema de saúde de Diamantina – MG.

Dados de Diamantina/Vale do Jequitinhonha:

1- Resolubilidade para alta complexidade: 27,53% - Média do Estado de Minas Gerais = 88,4%

2- População em 2012: 46.125 – Fonte: IBGE, 2012

3- Número de pessoas cobertas com planos de saúde em 2012: 5.100 pessoas – Fonte: ANS, 2012

4- População coberta por PSF em 2013 : 67,32% - Fonte: Ministério da Saúde, 2013

5- Investimento em saúde por habitante – 2009: R$ 231,72 – Ministério da Saúde, 2009

Outros dados de Diamantina podem ser consultados pelos instrumentos de gestão disponíveis para qualquer cidadão no portal do Ministério da Saúde: 1) Plano Municipal de Saúde de Diamantina (2010-2013); e 2) Relatório Anual de Gestão de 2011 elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde de Diamantina e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde.

A primeira análise que faço é: Diamantina apresenta uma população de 89% que depende exclusivamente do SUS. Diante disso, precisamos de um sistema de saúde eficiente. Mesmo estes 11% que tem planos de saúde, usam o SUS de alguma forma. Casos de urgência e emergência, por exemplo, são atendidos pelo SUS. Se você precisa de uma consulta de emergência, os profissionais dos planos de saúde, muitas vezes, não tem disponibilidade. Diante disso, temos duas opções: 1) vamos para o pronto atendimento do SUS ou 2) pagamos uma consulta particular. Desta forma, pagamos por um serviço de saúde por três vezes: impostos, plano de saúde e particular. Essa é a realidade! Mesmo com planos de saúde não temos a garantia de atendimento imediato ou cobertura para a nossa necessidade. Os planos de saúde fazerm o ressarcimento das consultas particulares, mas de acordo com a tabela do plano. 20% de ressarcimento, em média. Com isso, o SUS precisa ser eficiente. É a porta de entrada do usuário para um atendimento e a maioria da população depende exclusivamente do sistema público. A segunda análise é a baixa resolubilidade que temos no Vale do Jequitinhonha. É o maior vazio assistencial que temos em Minas Gerais, pois temos a menor resolubilidade (27,53%) nesta região. Este vazio assistencial faz com que os usuários tenham que ir para Belo Horizonte para um tratamento ou consulta de alta complexidade em diversas áreas, tais como na área de oncologia e cirurgias em diferentes especialidades (oftatalmologia, ortopedia, cardiologia, vascular, etc). Uma última análise inicial trata-se da cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Diamantina tem uma cobertura para a ESF abaixo da média de Minas Gerais que é de 70% de cobertura. Considerando que 89% dependem exclusivamente do SUS, esta cobertura deveria ser no mínimo de 90% da população. Com isso, temos que avançar para uma maior cobertura da ESF para a população de Diamantina. Abaixo seguem alguns itens que o município de Diamantina ainda NÃO REALIZA conforme pode ser observado no Termo de Compromisso de Gestão (TCG) de Diamantina:

1- NÃO APRESENTA ESTRUTURA FÍSICA NECESSÁRIA PARA A REALIZACÃO DAS ACÕES DE ATENCÃO BÁSICA, DE ACORDO COM AS NORMAS TÉCNICAS VIGENTES;

2- NÃO APRESENTA A PROGRAMACÂO DA ATENCÃO A SAÚDE, INCLUÍDA A ASSISTÊNCIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE, EM CONFORMIDADE COM O PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE, NO ÂMBITO DA PROGRAMACÂO PACTUADA E INTEGRADA DA ATENCÃO A SAÚDE;

3- NÃO APRESENTA A MONITORIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA APLICACÃO DOS RECURSOS FINANCEIROS PROVENIENTES DE TRANSFERÊNCIA REGULAR E AUTOMÁTICA (FUNDO A FUNDO) E POR CONVÊNIOS;

4- NÃO APRESENTA PROTOCOLOS DE REGULACÃO DE ACESSO, EM CONSONÂNCIA COM OS PROTOCOLOS E DIRETRIZES NACIONAIS, ESTADUAIS E REGIONAIS;

5- NÃO APRESENTA PROTOCOLOS CLÍNICOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS, EM CONSONÂNCIA COM OS PROTOCOLOS E DIRETRIZES NACIONAIS E ESTADUAIS;

6- NÃO APRESENTA A MONITORIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA EXECUCÃO DOS PROCEDIMENTOS REALIZADOS EM CADA ESTABELECIMENTO POR MEIO DAS ACÕES DE CONTROLE E AVALIACÃO HOSPITALAR E AMBULATORIAL;

7- NÃO REALIZA A AUDITORIA ASSISTENCIAL DA PRODUCÃO DE SERVICOS DE SAÚDE, PÚBLICOS E PRIVADOS, SOB SUA GESTÃO;

8- NÃO APRESENTA POLÍTICAS DE GESTÃO DO TRABALHO, CONSIDERANDO OS PRINCÍPIOS DA HUMANIZACÃO, DA PARTICIPACÃO E DA DEMOCRATIZACÃO DAS RELACÕES DE TRABALHO;

9- NÃO CONSIDERA AS DIRETRIZES NACIONAIS PARA PLANOS DE CARREIRAS, CARGOS E SALÁRIOS PARA O SUS - PCCS/SUS, QUANDO DA ELABORACÃO, IMPLEMENTACÃO E/OU REFORMULACÃO DE PLANOS DE CARREIRAS, CARGOS E SALÁRIOS NO ÂMBITO DA GESTÃO LOCAL;

10- NÃO IMPLEMENTOU E PACTUOU DIRETRIZES PARA POLÍTICAS DE EDUCACÃO E GESTÃO DO TRABALHO QUE FAVOREÇAM O PROVIMENTO E A FIXACÃO DE TRABALHADORES DE SAÚDE, NO ÂMBITO MUNICIPAL, NOTADAMENTE EM REGIÕES ONDE A RESTRICÃO DE OFERTA AFETA DIRETAMENTE A IMPLANTACÃO DE ACÕES ESTRATÉGICAS PARA A ATENCÃO BÁSICA.

11- NÃO FORMULOU E PROMOVEU A GESTÃO DA EDUCACÃO PERMANENTE EM SAÚDE E PROCESSOS RELATIVOS A MESMA, ORIENTADOS PELA INTEGRALIDADE DA ATENCÃO A SAÚDE, CRIANDO QUANDO FOR O CASO, ESTRUTURAS DE COORDENACÃO E DE EXECUCÃO DA POLÍTICA DE FORMACÃO E DESENVOLVIMENTO, PARTICIPANDO NO SEU FINANCIAMENTO;

12- NÃO IMPLEMENTOU OUVIDORIA MUNICIPAL COM VISTAS AO FORTALECIMENTO DA GESTÃO ESTRATÉGICA DO SUS, CONFORME DIRETRIZES NACIONAIS.

Estes itens levantados pelo Termo de Compromisso de Gestão não foram realizados pela gestão passada. Implantá-los, são os maiores desafios para o atual gestor.

Passadiço Virtual: O senhor foi diretor da Direção de Ensino, Pesquisa e Extensão (DEPE) dos hospitais. Explique para nós o que este órgão é e qual a situação atual dos convênios entre a UFVJM e os hospitais (Santa Casa e Nossa Senhora da Saúde). As duas instituições de saúde já são considerados hospitais de ensino?

Professor Peterson Marco: A DEPE faz parte do Conselho Diretor do Hospital de Nossa Senhora de Saúde e do Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa de Caridade de Diamantina. Esta diretoria trata da interação da UFVJM com estas duas unidades hospitalares. Os cursos da saúde da UFVJM (odontologia, enfermagem, fisioterapia, nutrição e farmácia) já atuam nestes hospitais há muito tempo. Porém, com o processo de criação do curso de medicina foi necessário criar este convênio para que estes hospitais sejam campo de práticas do curso de medicina e para que eles sejam credenciados como hospitais de ensino. Para um hospital ser considerado de ensino, é preciso que se tenha o internato do curso de medicina e residências médicas. Por isso, este assunto iniciou-se com a criação do curso de medicina da UFVJM. Considerando que o curso de medicina da UFVJM ainda não iniciou-se, os hospitais não podem solicitar o credenciamento neste momento, mas o trabalho para este credenciamento já iniciou-se com as assinaturas dos convênios e trabalho da DEPE dentro dos conselhos administrativos dos hospitais. A DEPE atua como mediadora entre os interesses assistenciais das instituições de saúde e a missão educacional da universidade. Considerando o artigo 200 da constituição de 1988, o SUS deve ser um campo de prática para a ordenação dos recursos humanos da saúde. Isso está sendo feito nas duas unidades hospitalares de Diamantina e antes da criação do curso de medicina.

Passadiço Virtual: Quais são as informações mais recentes sobre o curso de medicina da UFVJM? Vimos também que os residentes médicos chegaram aos nossos hospitais. Isto está relacionado ao curso de medicina? Estes residentes têm vínculo com a universidade?

Professor Peterson Marco: Sim, os residentes médicos recebem uma bolsa do Ministério da Educação conquistada pela UFVJM e por isso o vínculo dos residentes é com a UFVJM, mas o campo de prática é a rede de atenção à saúde de Diamantina e região. O curso de medicina é um grande avanço para o Vale do Jequitinhonha que apresenta diferentes carências e por isso é o maior vazio assistencial da rede hospitalar. Por isso, apresenta a menor resolubilidade da alta complexidade de Minas Gerais. Os docentes para o curso de medicina estão chegando e novos concursos estão em andamento. Esse é o principal avanço necessário para uma universidade: Conquistar recursos humanos ou melhor dizendo: valorizar o capital intelectual, pois a formação universitária se faz, principalmente, com este recurso.

Passadiço Virtual: A atenção primária à saúde, aquela que acontece nos postos de saúde, é a base do SUS. Qual é o diagnóstico da atenção primária em Diamantina? Quais os principais desafios para o próximo secretário municipal de saúde?

Professor Peterson Marco: Os resultados das ações de saúde dependem de uma boa estrutura para o trabalho dos profisisonais e acesso dos usuários. Precisamos ainda de bons processos de trabalho. Ou seja, é preciso de recursos físicos e humanos e que sejam bem organizados. Boa organização depende de liderança. Inexistiu liderança de qualidade para a atenção primária de Diamantina. Isso não foi culpa, na minha opinião, dos profissionais que passaram pela função de coordenação de atenção primária. Isso foi culpa da gestão não investir neste tipo de liderança. De valorizar o trabalho dos coordenadores da atenção primária. Na gestão passada me lembro de pelo menos quatro pessoas neste cargo. Esta elevada rotatividade, falta de investimento e apoio para estes coordenadores, pode ser uma causa da falta de liderança do município para a atenção primária. Percebi em vários momentos que os profissionais estavam desmotivados. Sem interesse pela inovação. O próximo gestor precisa motivar os profissionais de alguma forma. Um bom trabalho do secretário municipal de saúde, conforme os pontos levantados no Termo de Compromisso de Gestão, podem motivar os profissionais para um trabalho de excelência. Outro ponto crítico é a elevada rotatividade dos médicos da atenção primária e mesmo quando há médicos existe a falta de cobertura nos seus períodos de férias. Isso aumenta a demanda para os prontos atendimentos da Santa Casa de Caridade de Diamantina e Hospital de Nossa Senhora da Saúde. Esta evidência atrapalha o combate ao modelo hospitalocêntrico de atenção à saúde, pois os usuários passam a não acreditar mais na eficiência da atenção primária. O governo municipal precisa investir na atenção primária para que a população acredite na capacidade de resolução de seus problemas de saúde neste ponto de atenção. A gestão municipal precisa aproveitar melhor os cursos da saúde que temos na universidade. Fui melhor aproveitado em Belo Horizonte do que em Diamantina pelo gestor municipal. Em Belo Horizonte existem reuniões regulares da equipe da gestão com todos os docentes que atuam na atenção primária. Isso não aconteceu em Diamantina. Quem sabe pode ser uma ideia para o próximo gestor. Trata-se de usar o capital intelectual que existe em Diamantina, em favor da saúde da população. Qualquer cidadão lúcido e inteligente entende isso.

Passadiço Virtual: O que o senhor acha que falta para Diamantina realmente exercer seu papel de polo regional na saúde?

Professor Peterson Marco: O primeiro ponto muito carente em Diamantina, é a falta de qualidade da gestão municipal da área da saúde. Considerando a presença da universidade, com todo seu capital intelectual e possibilidade de ajuda com os estágios e residências, é difícil compreender como a atenção básica/primária de Diamantina é tão precária. Se na área urbana de Diamantina, falta estrutura e condições de trabalho, imagine nos distritos de Diamantina. Caótica a situação. Sem contar a grande dificuldade de acesso, pois as estradas são precárias. Diamantina precisa ser referência de atenção à saúde e isso pode ser construído com serviços de referência em saúde e ensino. Um sistema municipal de ensino em saúde pode ser construído. Chamaria isso de um município escola. Depende do apoio o iniciativa da gestão municipal. Esta iniciativa foi implantada em Fortaleza. A implantação dos itens descritos na segunda questão desta entrevista são fundamentais para que Diamantina seja efetivamente um polo regional de qualidade na área da saúde. As práticas do século XVIII não podem ser usadas da mesma forma no século XXI. Precisamos avançar com a integração dos esforços da gestão, atenção/serviços de saíde, controle social e ensino/universidade. A liderança do gestor municipal é um ponto chave para isso, pois as visões de cada setor da sociedade é na maioria das vezes fragmentada. O gestor municipal deveria apresentar uma visão mais ampla e por isso é o principal ator para este papel.

Passadiço Virtual: A Santa Casa de Caridade e o Hospital Nossa Senhora da Saúde são duas instituições sem fins lucrativos que prestam serviço à comunidade, mas que também recebem investimento de dinheiro público. Como o senhor avalia as relações entre estas instituições ao longo do tempo e, principalmente, agora com a presença da DEPE nos hospitais.

Professor Peterson Marco: Percebendo e avaliando o contexto em que estive inserido desde novembro do ano passado (2012) é possível concluir que as relações entre estas instituições não eram e não são amenas. Disputas políticas, por serviços e recursos financeiros existiram e existem. Trata-se do cenário colocado pelo gestor estadual. Já disse em algumas reuniões nos hospitais, que este cenário de disputa, poderia ser amenizado pelo governo do estado. Um exemplo conhecido é o serviço de oncologia que “Diamantina perdeu para Curvelo”. Considerando a disputa em Diamantina, pelos dois hospitais, o governo do Estado escolheu Curvelo para ser a referência para o Vale do Jequitinhonha. Outro momento de disputa que eu percebi na direção da DEPE foi a disputa entre os municípios de Minas Novas, Turmalina e Capelinha por um Centro Especializado em Reabilitação (CER). Com a disputa, o governo do estado definiu que a referência continuará a ser em Diamantina. Com isso, os aprendizados foram que as disputas, as vezes, geram o atraso do desenvolvimento da região ou cidade, pois o governo do estado vai preferir manter como está; ou levar o serviço para longe do local onde existe qualquer tipo de disputa, por uma prestação de serviço.

Acredito que com a DEPE nos dois hospitais, este cenário de disputas pode ser amenizado, pois a universidade pode atuar na mediação de possíveis conflitos em favor do ensino e atenção a saúde para os usuários do SUS do Vale do Jequitinhonha e região. Toda esta população utiliza dos serviços hospitalares de Diamantina. Além disso, outras regiões ampliadas de saúde como Curvelo e Guanhães utilizam os serviços de Diamantina como referência. Um exemplo de divergências ou falta de consenso entre os hospitais, é a construção de uma nova estrutura hospitalar em Diamantina. A DEPE atuou e manterá seu trabalho na interlocução dos diferentes interesses envolvidos.

Passadiço Virtual: A construção de um hospital regional fora do centro histórico de Diamantina é um projeto futuro? Quais as reais chances e o que precisa ser feito para que isso se torne realidade?

Professor Peterson Marco: É um projeto futuro idealizado inicialmente pelo provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina, Sr. Juscelino Roque. O reitor da UFVJM, Prof. Dr. Pedro Angelo, já tinha idealizado um desenvolvimento e urbanização do terreno em frente ao Campus de Diamantina da UFVJM. Diante disso, as idéias se juntaram e já houve uma conversa do reitor da UFVJM, em março deste ano, com o Secretário Estadual de Saúde de Minas Gerais, Dr. Antônio Jorge. O objetivo da reunião na Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, foi para o apoio da Câmara Legislativa para o desmembramento do terreno do Parque Estadual do Biribiri. Esta área pertence ao parque e precisa da aprovação da Câmara Legislativa. Desta forma, Diamantina terá a oportundade de criar uma outra área para crescer. Esta reunião contou ainda com a presença dos provedores e representantes dos hospitais de Diamantina, do Deputado Federal Marcus Pestana, do Deputado Estadual Luis Henrique e minha como diretor da DEPE. A construção de hospitais regionais já representa uma realidade em Sete Lagoas, Divinópolis, Governador Valadares, Uberlândia e Juiz de Fora. Diamantina não pode ficar com a atual estrutura, pois não permite modernizações pelas regras do patrimônio histórico gerenciadas pelo IFHAN. As chances são grandes, pois o governo estadual mostrou-se interessado em contribuir para o desemembramento do terreno, mas as oposições locais para esta iniciativa, podem atrasar o processo de inovação da atual estrutura hospitalar de Diamantina. Acredito que o atual gestor municipal deve reunir os interesses dos usuários do SUS de Diamantina que precisam de um melhor acesso aos serviços do SUS. E isso depende de uma melhor estrutura. Na minha opinião, os gestores, sejam eles da esfera municipal, estadual e federal, devem ter como prioridade a atenção à saúde e melhores condições de ensino para os futuros profissionais da saúde. Sejam eles médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e de todas as outras áreas. O problema é que, muitas vezes, os interesses políticos, pessoais e econômicos superam os interesses maiores de um município ou serviço de saúde. Como eu disse, é claro que uma estrutura do século XVIII não vai suportar as demandas do século XXI. Parabenizo, por isso, a coragem do provedor da Santa Casa de Caridade e o apoio do GGA para esta iniciativa. Acredito que as oposições locais serão superadas em favor da qualidade da atenção à saúde de Diamantina e Vale do Jequitinhonha. É isso que importa: amenizar o sofrimento das pessoas que apresentam um problema de saúde.

Passadiço Virtual: O senhor também foi pioneiro nacional na implantação de uma residência específica para o curso de Fisioterapia. Fale-nos sobre este projeto e como ele se encontra.

Professor Peterson Marco: Um programa de residência de fisioterapia, com o foco na atenção primária, é uma necessidade para o processo de formação de futuros profissionais que irão atuar no Núcleo de Apoio à Saúde da Família, nas secretarias municipais ou estaduais e em qualquer programa de atenção à saúde do SUS. Na verdade, este programa de residência foi criado por um grupo de professores: Prof. Cláudio Heitor, profa. Débora Vitorino, profa. Denise Falci e profa. Vanessa Lima. Em seguida o prof. Fábio Martins entrou no grupo de docentes da residência. Lembro bem que eu estava em doutoramento na UFMG e o programa não seria viável sem um trabalho em grupo e de equipe. A residência é realizada neste momento no município de Presidente Kubitschek e Diamantina. Hoje temos dois residentes (R1) com atuação neste primeiro município e uma R2 em Diamantina. Hoje temos uma visão da residência na rede de atenção do SUS. O foco ainda é a atenção primária, mas o entendimento da rede de atenção à saúde, se faz necessário para uma melhor assitência às pessoas com deficiências e com necessidades de um serviço de reabilitação. Trabalhos da nossa residência, foram apresentados no Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da ABRASCO no ano passado em Porto Alegre e temos precebido o caráter inovador dos processos de trabalho que implantamos nos campos de prática. Em breve dois artigos das nossas ações inovadoras serão publicados em uma revista nacional e outro em uma revista internacional e estarão disponíveis na base Scielo e Medline/Pubmed, respectivamente.

Foto - GGA e Provedor na entrega da Homenagem da SCCDPassadiço Virtual: Recentemente acompanhamos pelos meios de comunicação que o senhor recebeu uma importante homenagem da Santa Casa de Diamantina. Que homenagem foi essa e o que ela representa para o senhor?"

Professor Peterson Marco: É verdade. Recebi uma Homenagem Especial do Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa de Caridade de Diamantina pelos serviços prestados enquanto Diretor da DEPE UFVJM/SCCD. Além da placa da homenagem, fui agraciado com a Comenda Ermitão Manoel de Jesus Fortes - Fundador da Santa Casa de Caridade de Diamantina em 1790. Confesso que eu não esperava este reconhecimento, pois estive na DEPE somente durante seis meses e iniciei apenas a estruturação desta nova diretoria da universidade. Esta homenagem representa o reconhecimento de um curto trabalho nesta instituição. Entrei na função de diretor e encontrei um contexto interno e externo adverso. Tive que “remar contra a maré”. Uma maré contrária dentro da universidade. Os desafios externos, de interagir uma universidade federal com duas instituições hospitalares, externas à universidade são absolutamente naturais. Acredito que as lideranças da Santa Casa de Caridade de Diamantina perceberam o contexto adverso que encontrei e por isso o trabalho foi reconhecido e valorizado. Procurei defender os interesses da Santa Casa de Caridade da mesma forma que os interesses da universidade. Participar da administração de uma instituição de 223 anos foi uma honra. Receber uma homenagem como essa ainda mais, pois considero que o trabalho foi iniciado, mas ainda é preciso muito trabalho para a superação dos desafios de um hospital que recebe docentes, acadêmicos de graduação e pós graduação. Resumindo, fiquei muito feliz com a homenagem, pois sei que este gesto é raro e foi efetivamente sincero e especial por parte do Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa de Caridade de Diamantina. Agradeço em especial ao provedor Sr. Juscelino Roque. Juscelino é um administrador com visão de futuro. É um empreendedor da área da saúde. Um perfil raro considerando o cenário do sistema de saúde do Brasil.

Passadiço Virtual: Professor Peterson, agradecemos a sua importante colaboração para o debate sobre a saúde em Diamantina e deixamos o espaço para suas considerações finais. Desejamos a você muito sucesso em seus novos desafios.

Professor Peterson Marco: Eu que agradeço a oportunidade de compartilhar algumas evidências relacionadas com o contexto do sistema de saúde de Diamantina. Na verdade esta é a realidade de vários municípios do Brasil, pois o interesse econômico supera, na maioria das vezes, o interesse do bem comum. Existem outros pensamentos que tenho relacionados com o dilema do cenário da atenção à saúde que não ocorre somente em Diamantina, mas corresponde a realidade do Brasil. Deixarei com vocês uma cópia do meu discurso de abertura do I Fórum dos Hospitais de Ensino de Diamantina. Neste discurso, eu apresentei alguns dilemas que vivemos no sistema de saúde de Diamantina e que não é diferente na maioria dos municípios do Brasil.

Precisamos operacionalizar o quadrilátero para a formação dos profissionais de saúde. O ensino universitário precisa se aproximar da gestão do sistema de saúde, do controle social e dos serviços de saúde. Precisa existir uma retroalimentação destes quatro elementos para uma efetiva educação de qualidade do ensino superior. Com uma melhor educação universitária, penso que teremos profissionais mais comprometidos com os usuários e serviços do SUS. Problemas no ensino repercutem nos serviços de saúde. Por isso, precisamos diminuir as disputas corporativistas e acadêmicas e eliminar a falta de conhecimento da realidade que existe dentro do meio universitário. Desafio complexo, mas de possível resolução.

Não poderia deixar de agradecer aos colegas de Departamento do Curso de Fisioterapia da UFVJM, em especial aos professores Wellington Gomes e Renato Trede. Acredito que não chegamos em lugar algum sem pessoas que marcam de alguma forma, a nossa trajetória. Agradeço a eles pela amizade e por terem sido colegas de trabalho que me ajudaram no exercício das minhas funções nesta diretoria. Além disso, agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram para esta minha passagem em Diamantina. Diamantina já faz parte da minha trajetória e pode ter certeza que eu não esquecerei da cidade e dos amigos que aqui fiz. Muito obrigado !

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Exclusivo: entrevista com Maurício Maia, Prefeito interino de Diamantina

Prefeito Maurício Maia, por favor, conte-nos um pouco sobre sua origem familiar, trajetória de vida e carreira política.

Prefeito - Sou uma pessoa de origem simples e de família tradicional do distrito de São João da Chapada que eu tanto gosto. Não tenho uma formação superior, mas fui educado pelos meus pais a cumprir sempre com minha palavra e nunca perder a humildade. Não tenho vergonha de dizer que sou um eletricista. Tenho orgulho de ser um trabalhador. Sou vereador em segundo mandato, tendo sido primeiro Secretário e Presidente da Câmara na legislatura de 2009-2012 e sido eleito presidente da Câmara nesta legislatura, o que possibilitou minha condução ao cargo de Prefeito Interino devido ao problema nas eleições de 2012. Reconheço que não estava preparado para assumir esta responsabilidade pois fui eleito para o legislativo, mas tenho tentado corresponder às expectativas.

Prefeito, afinal, em que situação o senhor encontrou a Prefeitura de Diamantina no início de janeiro? Realmente existe um rombo financeiro? Se sim, qual o verdadeiro valor deste rombo?

PREFEITO - Quando assumimos existia um grande caos financeiro e administrativo. Com relação ao rombo financeiro estamos com uma auditoria externa fazendo a verificação dos números e divulgaremos tão logo a Prefeitura tenham em mãos os dados oficias, mas já se sabe que passa de milhões. Não podemos ser irresponsáveis de falar em números antes de ter os dados finais da auditoria.

Prefeito, qual o motivo e a função do Estado de Emergência Administrativa e Financeira decretada no dia 10 de janeiro? Este decreto surtiu algum efeito positivo?

Prefeito- Foi uma ação emergencial que tomamos sem ter exatamente noção da profundidade da situação. Foi uma forma de nos resguardarmos até conhecer em detalhes os problemas e nos dar a tranqüilidade para tomar algumas medidas já que chegamos à Prefeitura sem nenhuma informação interna. A comissão de Transição não funcionou como havíamos planejado.

Levando em consideração a interinidade do cargo que o senhor ocupa, qual é o grande desafio do seu curto mandato?

Prefeito - O maior desafio do meu mandato interino, além de regularizar o a folha de pagamento dos servidores e fornecedores é o de restabelecer a normalidade das ações da Prefeitura e garantir que as ações prioritárias de limpeza pública e saúde sejam retomadas. O período é curto para fazer uma reforma mais extensa, mas estamos tentando criar algumas medidas rápidas ara que a próxima gestão encontre a casa mais organizada.

A falta de coleta de lixo, as ruas esburacadas, os cães abandonados e o trânsito desordenado são alguns problemas visíveis no cotidiano da cidade. Que medidas estão sendo tomadas para a solução imediata destes problemas?

Prefeito - Decidimos que regularizar o pagamento dos servidores era a ação prioritária. Só pra se ter uma idéia cheguei à Prefeitura com o pagamento dos servidores atrasados desde o mês de dezembro. Trabalhamos e conseguimos escalonar estes débitos e efetuar os pagamentos de janeiro e quase totalidade da folha de dezembro. O pagamento de fevereiro será feito em dia e só no pagamento dos salários de dezembro já foram gastos mais de 600 mil reais. Um grande impacto em um caixa praticamente vazio.

Também não podíamos deixar de fazer o carnaval de Diamantina, que felizmente foi um grande sucesso. Contamos com a ajuda da Associação Comercial, Músicos, fornecedores e da iniciativa privada e conseguimos um feito inédito de fazer a festa, nosso patrimônio, com menos da metade do que normalmente se gastou nas gestões passadas. Normalmente se gasta um milhão. Agradamos ao público e turistas e provamos que se pode fazer muito com pouco sem perder a qualidade.

Agora estamos empenhados em implementar outras ações. Por exemplo: Estamos finalizando a cratera que foi deixada na Rua Tijucana prejudicando os moradores do bairro Bela Vista. Estamos envolvidos na melhoria da Rua do Beco do Moinho na Palha. Finalizamos os quebra-molas da Avenida Sílvio Felício dos Santos no bairro Bom Jesus. Recuperamos todas as estradas dos distritos para o início do ano letivo. Estamos discutindo, com urgência, a legalização do bairro Cidade Nova. Colocamos luz elétrica na travessa da Avenida do Contorno uma demanda de 12 anos daquela comunidade. E começaremos nesta sexta-feira, dia 22/02, um grande mutirão de limpeza, envolvendo as Secretarias de Saúde, Meio Ambiente e Obras. Esta ação começará pelo bairro Bela Vista devido a ser um dos mais suscetíveis à dengue. O cronograma do Mutirão seguirá a orientação da Secretaria de Saúde, sem desconsiderar a necessidade de limpar as ruas.

Com relação aos cães de rua infelizmente não temos como fazer alguma ação imediata já que o canil entregue pela administração anterior é inadequado ao tratamento digno dos cães recolhidos e não temos outro espaço para destiná-los de momento. Estamos analisando a viabilidade de reforma emergencial do Posto de Castração do Rio Grande para impedirmos a proliferação excessiva de cães e gatos. Se houver tempo pretendemos fazer um mutirão de castração. A Prefeitura não tem recursos para uma ação mais intensiva, mas felizmente temos contado com o apoio de muitos empresários e de uma equipe competente e esforçada.

O Senhor tem recebido algum tipo de apoio dos governos federal, estadual ou de deputados que representam a nossa região? Se sim, que tipo de apoio o município tem recebido?

Prefeito - Veja bem, a própria situação inesperada do mandato interino inviabilizou que as esferas de poder se mobilizassem para nos ajudar, mas na medida do possível temos recebido apoio sim. Infelizmente não conseguimos ainda liberar os recursos na rapidez necessária a urgência de nossa situação.

Como o senhor analisa o cenário político e partidário para a nova eleição para prefeito marcada para sete de abril? O Senhor pretende se candidatar?

Prefeito - A intervenção que resultou na suspensão da posse dos eleitos na eleição de 2012 gerou muitas incertezas no cenário político de Diamantina. No momento é difícil fazer alguma previsão. Com relação a minha candidatura nestas eleições o que posso dizer é que o futuro a Deus pertence.

O senhor foi reeleito para a presidência da Câmara Municipal. O que a população de Diamantina pode esperar dos vereadores durante a legislatura 2013-2016?

Prefeito - Preciso destacar que tenho recebido um grande apoio e solidariedade de meus colegas da Câmara Municipal. Acredito que esta legislatura, que foi pega de surpresa com a atual situação política Diamantina tem dado grande demonstração de respeito à população de nossa cidade. Acho que a população pode esperar muito empenho dos vereadores.

Muito se falou sobre as dificuldades para a realização e a possibilidade de cancelamento do Carnaval de Diamantina neste ano. O senhor poderia tecer seus comentários sobre o Carnaval?

Prefeito - O Carnaval de Diamantina em 2013 foi um sucesso surpreendente para todos nós. Nosso objetivo era fazer um carnaval menor em que turistas e a população diamantinense pudessem se divertir. Pela primeira vez as Bandas Bartucada e Batcaverna se apresentaram no palco do Largo Dom João, onde o público local gosta de acompanhar os shows. Os palcos do centro foram menores, mas a festa foi mais autêntica e a cara da cidade. Resgatamos dois blocos que há 20 anos não saiam: Balão Mágico e Zé do Caixão. Mostramos que é possível fazer um carnaval com pouco recurso, mas com muita qualidade. Nunca se gerou tanta mídia em Diamantina pelo comprometimento que todos os envolvidos tiveram com a folia. Toda a equipe está de parabéns e o carnaval nota 10.

Agradeço profundamente a sua generosa contribuição com o blog Passadiço Virtual e deixo o espaço para suas considerações finais.

Prefeito - Fernando, o que tenho dito aos amigos que tenho sido mais abençoado por Deus do que talvez mereça. As imensas dificuldades que encontrei têm sido superadas e estamos conseguindo dar conta do recado. Agradeço muito a equipe que tem me auxiliado e feito imenso esforço para colocarmos a casa em ordem e a paciência dos servidores, que mesmo com pagamento em atraso, tem trabalhado com afinco. Outro aspecto a destacar é o grande apoio dos empresários, comerciantes e entidades de Diamantina que entenderam a situação vivida por nós. Nossa cidade jamais passou por uma situação como esta e espero que voltemos a andar de cabeça erguida e com orgulho de viver aqui.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Marcial Ávila, artista plástico e especialista em estudos africanos e afro-brasileiros

Marcial ÁvilaNascido em Diamantina Minas Gerais, auto didata já aos três anos de idade desenhava à carvão no aterro do fogão a lenha. Pintou seu primeiro quadro a óleo aos dez anos,  aos trinta ingressa-se na Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG / Escola Guignard., forma se bacharel em Artes Plasticas e torna se especialista em Escultura, cursou Desenho Animado na escola Washington Animation. Pós graduado em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros pela PUC Minas. Poeta, cenógrafo, figurinista e ilustrador com participação em mais de cento e cinquenta obras, desenhista de estamparia há mais de 20 anos. Já expôs em várias galerias da capital e também em outras cidades do país. Suas obras já alcançaram vários países do mundo, mais especificamente da Europa. Expôs também  nas cidades de Besançón e Audincourt na França. Além de participar de festivais internacionais divulgando a arte e a cultura brasileira. Idealizador da Grife Chica da Silva, produzindo moda com estamparia inspirada em motivos étnicos. Participa de fóruns internacionais sobre cultura africana e afro-brasileira,  seminários sobre racismo e inclusão social através da arte. É um dos artistas de maior destaque no cenário das artes representativas da cultura negra de Minas Gerais. Suas obras podem ser vistas na Casa da Chica, como acervo permanente do IPHAN na cidade de Diamantina Minas Gerais.

Passadiço Virtual: Marcial, por favor, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória de vida, formação artística e atuação profissional.

Marcial Ávila: É muito extensa minha história, vou tentar resumi-la.

Sempre tive habilidade com as mãos desde criança, tanto para o desenho como para modelagens, recortes, colagens e etc.

Quando ainda menino já fazia os materiais didáticos de minhas irmãs mais velhas que faziam o Curso Normal à época (cartazes de datas comemorativas e "Flanelogravuras").

Quando estudei no Grupo Escolar Profª Júlia Kubitscheck, muitas vezes fazia cartazes sobre Tiradentes, Dia das Mães, Festas juninas e etc.

Ao quatorze anos comecei a trabalhar como menor Aprendiz no Banco do Brasil. Foi uma oportunidade de ouro, pois minha família era muito grande e meus pais trabalhavam muito para nos manter.

Lembro-me que com o primeiro salário pude comprar um “fogão a gás usado" pra minha mãe, pois, me incomodava vê-la com dificuldades para acender o fogão a lenha em épocas de chuva.

Naquela ocasião meu pai foi reformado pela Polícia Militar e resolveu mudar com a família para a cidade de Várzea da Palma, eu continuei morando em Diamantina com uma irmã que havia se casado. Pouco tempo depois fui para esta cidade, influenciado pelo meu pai. Lá não tinha o segundo grau e para estudar eu tinha que ir todos os dias para a cidade de Pirapora, onde me formei Técnico em Contabilidade.

Foi um período bem difícil, pois não havia mercado de trabalho para um recém-saído do Banco do Brasil e tive que me virar para ganhar meu dinheiro. Ninguém sabe o que tive que suar para tal: Pintei cruz de cemitério, forros de mesa de Centro de Umbanda, enxovais de bebê, cenários de teatro, cartazes para todas as datas, artesanatos variados, enfim, fiz de quase um tudo pra tentar me manter.

Tempos depois, sediado em Belo Horizonte em busca de melhores oportunidades trabalhei em uma loja que vendia pneus. Confesso que foi realmente um período muito difícil para mim com todas as minhas aptidões artísticas.

Embora tenha ido em busca de estudos, as dificuldades me impediram de levar a cabo meus objetivos. Passei por toda a sorte de dificuldades e fui fazendo o que era possível como curso de cartazista, letrista, publicidade, desenho animado entre outros. Cheguei até a montar uma Agência de Publicidade.

Só mesmo aos trinta anos me ingressei na universidade, formando-me Bacharel em Artes Plásticas pela escola Guignard (UEMG) com especialização em escultura, desenho e contemporaneidade da arte. Foi um período muito difícil também, sendo a escola modernista, e eu, aparentemente "acadêmico”. Fui muito discriminado por alguns professores, quando diziam que eu nunca chegaria a lugar nenhum com meus materiais baratos e que seria um artista medíocre repetindo o que milhares de artistas já haviam feito: pintar figuras humanas!

Mas o certo é que não me deixei intimidar e tampouco, me engajar naquele jogo de sedução e continuei trilhando o meu caminho lutando para superar as adversidades.

Mais tarde, após fazer Pós-graduação em Estudos Africanos e Afro Brasileiros, na PUC Minas, tornei-me o primeiro artista plástico mineiro especialista no assunto, e segui lançando minha arte no cenário nacional.

 

Passadiço Virtual: Em sua biografia você diz que nasceu em Diamantina e aos três anos já desenhava com carvão no aterro do fogão a lenha. Com dez anos você pinta seu primeiro quadro a óleo. Refletindo sobre a sua infância e adolescência, de onde vem esta ligação com a arte? Quem o influenciou para que você trilhasse esse caminho? O ambiente e o cenário de Diamantina contribuíram neste sentido?

Marcial Ávila: Sim, nasci em Diamantina na Rua Romana, no beco ao lado da casa de Dona Benzinha. Mudamos pra Rua da Samambaia e de lá para a Vila Operária com dois anos de idade.

Untitled-2Desenhava desde muito cedo e acredito que o "dom artístico" seja de família, pois meu pai o Sargento Marcial Ávila que durante muito tempo foi disciplinário no Colégio Tiradentes, gostava de desenhar e o fazia muito bem! Minha mãe Dona Waldete Azevedo também desenhava. Nas paredes de nossa casa, na antiga Rua das Pedras havia pinturas de paisagens e animais feitas por eles, portanto, cresci nesse ambiente cheio de música, teatro e arte.

Sempre me disseram que eu sobressaia pela perfeição dos desenhos e detalhes incomuns a uma criança de minha idade! Nesta época é que comecei a fazer meus desenhos nos aterros do fogão e na rua, com varinhas de madeira depois da chuva. Muitas vezes virava uma atração fazendo com que a meninada me acompanhasse em procissão enquanto desenhava minhas figuras na terra molhada.

Lembro-me que minha mãe ilustrava nossos cadernos com lindas figuras e que os mesmos eram feitos às vezes com as folhas que sobravam dos cadernos das sete irmãs que vieram antes de mim. Minha mãe costurava as folhas em sua maquina de costura e o enfeitava para que se tornasse mais atrativo para mim.

Mas, naturalmente, o cenário colonial da cidade e suas muitas histórias me influenciaram bastante. Os festejos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário eram os que mais me agradavam.

Venho agora, abrir a público a intimidade de uma família grande, pobre, mas feliz apesar de tudo.

Vivi rodeado de histórias e fantasias, pois tínhamos o hábito de nos reunir a noite para contar casos, muitas vezes pelo meu pai e outras por minha mãe. Papai tocava violão e cantava em dueto com ela e por fim, todos nós cantávamos juntos! Era realmente muito bom! Tive uma infância muito boa na Vila Operária, com muitos amigos, muitas brincadeiras, muitos banhos no Rio da Prata onde eram lavadas as roupas da família e onde aprendi a nadar. Só depois de adulto é que vim a perceber o quão carentes éramos. Mas as fantasias criadas pelos meus pais não me deixavam perceber isto, era tudo muito lindo, mágico!!! O clima lúdico pede passagem para lembrar com carinho que dormíamos dois em cada cama, (lembrando que éramos doze filhos) e que a casa velha, cheia de buracos nas paredes e muitas goteiras era fria, mas papai colocava sua jaqueta militar sobre nós e seu cheiro de suor nos dava segurança e proteção! Ainda me lembro até hoje do cheiro das roupas do meu pai e minha mãe. Quando chovia e a casa se enchia de goteiras, ele esticava uma lona por cima das camas e esparramava latinhas pela casa para aparar a água das goteiras. Aquela sinfonia nos embalava o sono. Para mim parecia um grande circo com uma orquestra de duendes tocando seus instrumentos mágicos!!!! Todo este universo ainda hoje é motivo para minhas criações!

 

Passadiço Virtual: Chica da Silva tem uma presença muito forte em alguns dos seus trabalhos. Porém muitas são as opiniões e visões sobre esta importante personagem de nossa história. Pra você, quem foi Chica da Silva? Que mulher é esta que você pretende mostrar em sua obra?

 

DevoçãoMarcial Ávila: Este é realmente um assunto que dá "pano pra manga". Desde criança me fascinava pela história da Chica da Silva, e é lá na infância que começa minha ligação com ela. Eu era louco por conhecer a tão falada casa da chica, mas nunca tinha a oportunidade. Como já disse eu estudava no Grupo Escolar Profª Júlia Kubitschek que fica praticamente, ao lado desta mesma casa, mas papai era rigoroso demais e não nos permitia mudar o caminho de casa pra escola e muito menos o da volta. Eu ia terminar a quarta série e naturalmente iria sair de lá, e assim iria ficar mais difícil ver a casa da Chica da Silva. Então um dia desobedecendo às ordens dele, resolvi chegar até a porta da casa dela, e com muito medo e curiosidade olhei pela abertura da porta que não estava totalmente fechada. Tive uma decepção muito grande, pois não vi os objetos dourados e fantásticos que minha cabecinha havia imaginado e ali fiz um juramento de que um dia iria trazer vida e cor pra casa dela! O que cumpri 29 anos depois, com muitas dificuldades, diga-se de passagem!

Sabia que foi tão difícil levar as minhas obras de arte pra casa da Chica? Que quase fiz uma loucura em decorrência da falta de patrocínio da minha cidade Diamantina para um vernissage por ocasião da abertura da exposição das telas que seriam posteriormente doadas, naquela época, à referida casa? Expô-las na Praça do Mercado e depois colocar fogo nas telas! Que apenas os meus amigos mais chegados estiveram lá para receber o presente para a cidade? Que se se não fosse minha família, hoje não existiria a Coleção Sete Vezes Chica permanentemente exposta lá, não só para deleite da minha terra natal, mas para todo o mundo?

Mas voltando ao que interessa, por todos os meus estudos sobre ela e esquecendo a minha paixão natural pela história, posso dizer que acredito que nenhuma pessoa que tem uma vida comum, padrão, entra pra história e vira mito. É certo que sempre vou colocar paixão no que digo sobre esta mulher, pois no meio do caminho o pesquisador acabou se envolvendo pelo seu objeto de pesquisa, o que é um crime.

Creio que no principio da relação da Chica com o João Fernandes de Oliveira Filho houve dificuldades por parte dela, já havia se decepcionado com uma relação anterior da qual trazia um filho. Mas depois de tantos mimos e declarações ostensivas de amor, esta rejeição acabou se tornando também amor que só cresceu com o tempo.

Não consigo ver uma mulher lasciva, sensual, devoradora de homens. Como passou a maior parte de sua vida grávida do mesmo homem e soube educar com esmero seus filhos? Inclusive, ampliando o Educandário de Macaúbas para receber suas filhas? Vale lembrar que ela não se relacionou com nenhum outro homem depois que seu João foi levado para Portugal. Acredito que todas estas histórias de sexo que a fizeram chegar até nossos dias como uma prostituta melindrosa e cheia de artimanhas, foram tecidas pela má compreensão das sinhás da época e passadas de boca a boca. É preciso contextualizar, imaginemos uma Sinhazinha nos meados do século dezoito, com toda sua educação europeizada que certamente era castradora, lhe tirando o direito de escolher um marido, lhe colocando no lugar de objeto de negociação da família e o que é muito importante de pensar neste caso, excluía totalmente o direito ao prazer sexual por ser pecado! Pensemos agora numa filha de uma africana escravizada que trazia em sua genética o molejo do corpo, o gingado das “escadeiras” e a liberdade de mostrar as pernas e os seios tão naturais na senzala e nas terras de origem?

Duas culturas totalmente diferentes em conflito uma se impondo sobre a outra.

É neste contexto que devemos pensar em Chica da Silva, uma mulher brasileira que trazia em si a mistura destas culturas, as feições de mulher branca que agradava aos homens brancos e os atributos físicos com sensualidade natural das mulheres negras. Imaginem ainda que esta mulher ex-escrava era a companheira do homem mais rico do reino de Portugal! Com todos os luxos condizentes à sua condição... Provavelmente desta inconformidade das sinhás nasceu também uma grande inveja que fez com que aumentassem os seus delitos tornando-a o mito que se tornou!

 

Passadiço Virtual: Como estudioso da cultura Africana e Afro-brasileira. Você concorda que apesar da sua importância histórica para Diamantina os negros e a cultura negra ainda não foram devidamente reconhecidos e valorizados nesta cidade? Como você percebe este fenômeno?

GENESIS-1Marcial Ávila: Concordo plenamente! Ainda hoje é notória a diferença entre ricos e pobres, brancos e negros, reflexos indeléveis do período colonial. A pseudodemocracia racial se estabeleceu com raízes profundas nessa cidade como a gameleira no cruzeiro do largo do Rosário.

Existe uma elite decadente que se apega ao passado escravocrata pra justificar preconceitos e separatismos! Chego às vezes pensar que o "Livro da Capa Verde" ainda continua sendo o livro de cabeceira de alguns nesses casarões centenários.

Não vejo um apoio às festividades do Rosário como vejo às festividades do Divino por exemplo. Não se vê com bons olhos a dança afro, nem a capoeira e muito menos as manifestações religiosas de matrizes africanas, como o Candomblé e Umbanda!

Não digo da Marujada e nem do Congado por não serem tradições de nossa cidade, se é que não estou enganado.

Depois que a cidade se tornou Patrimônio Cultural da Humanidade nota-se que as pessoas começaram a valorizar cada pedacinho de muro construído pelos escravos, não pelo valor histórico nem pela valorosa contribuição que estes povos escravizados nos deixaram de herança, mas sim, pela especulação imobiliária, pois valoriza o imóvel e atrai turista sendo que eles trazem divisas aos interessados. Pode parecer um pouco exagerado meu depoimento, mas é o que percebo!

 

De certa forma sua arte tem aproximação com a moda. Como surgiu a ideia de criar estampas com motivos étnicos e a grife Chica da Silva? Como andam estes projetos?

Marcial Ávila: Com o advento da lei 10639/03, que torna obrigatório o ensino de cultura africana e afro brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, os "africanismos" entraram na moda, se tornando a bola da vez, e as mesmas se sentindo totalmente despreparadas para enfrentar o assunto nas salas de aulas, procuravam os recursos de que dispunham para tal. Algumas escolas começaram a me dar crédito como conhecedor desses assuntos, pelo fato de pintar figuras humanas negras, principalmente anjos e santos, antes raramente vistos, o que não era realidade. Não me sentia apto a falar sobre escravidão, negritude e assuntos correlatos pelo simples fato de pintar pessoas negras. Procurei ao máximo, informações sobre a legislação vigente para levar às escolas junto com meus quadros e livros de figuras negras. Naturalmente as crianças e funcionários das escolas ficavam interessados em minhas obras, e como é em todo o território nacional os professores não podiam comprar meu trabalho pela má remuneração já conhecida por todos; imagine então as crianças das escolas de periferia da grande BH?

Foi ai que comecei a fazer postais com replicas dos meus anjinhos negros para presentear as crianças e professores. Primeiramente com 500 postais, depois 1000 e daí por diante. Imagine isto tudo saindo do bolso de um artista pobre como eu que em 99 por cento das vezes fui gratuitamente às escolas tendo inclusive que faltar ao trabalho? Pensei em uma forma que pudesse equilibrar isto, fazendo camisetas com estampas dos anjinhos a preço de custo. Constatei a partir dai que havia um nicho no mercado e comecei a criar estampas mais elaboradas.

Com o tempo fui transformando minhas pesquisas de imagens em estampas, criando, assim a minha grife que hoje segue de vento em popa.

Precisava de um nome forte e que representasse atitude, coragem, identidade e beleza, e qual foi o nome que me veio à cabeça? Chica da Silva é claro!

Não à toa a arte da estamparia ganhou espaço imprimindo a minha personalidade em diversos motivos e composições étnicas em tecido. A estampa efusiva de animais, figuras humanas e símbolos africanos enchem os olhos e acariciam o corpo sem, no entanto, ofuscar a menina dos meus olhos, a pintura em óleo sobre telas.

Ressalto que mais tarde em respeito aos professores e alunos, voltei a estudar e me formei em especialista em Estudos Africanos e Afro Brasileiros pela PUC Minas. Dai, a convite, passei a ministrar capacitações em várias regiões do país.

 

Passadiço Virtual: Muitos não sabem, mas você já ilustrou muitos livros infantis. Quais são os critérios para desenvolver trabalhos para este publico?

Marcial Ávila: É verdade, tenho mais de cento e setenta participações em livros didáticos, técnicos e literários. Muita gente nunca ouviu falar sobre isto, assim como também não sabem que escrevo poemas e contos. Só conhecem o que é mais exposto como as pinturas da Casa da Chica e os poemas que escrevi para cada quadro. Estes já viraram desenho animado e até peças teatrais, o que me traz muito orgulho!

Tudo começou quando estava fazendo um curso de desenho animado na cidade de Belo Horizonte e namorava uma colega. Ela tinha vários desenhos para fazer e não podia fazê-los por motivos de saúde. Então, aos poucos fui desenhando pra ela em pequenos pedaços de papel oficio nos horários de almoço (quando ainda trabalhava na loja de pneus).

Depois de certo tempo ela me mostrou um livro pronto com todas as minhas ilustrações! Processo Musical de Alfabetização: Vamos Cantar e Aprender de Terezinha Mendes. Eu não sabia que os desenhos seriam para um livro didático. Fiquei muito surpreso e ao mesmo tempo chateado, pois se soubesse disso teria feito com mais capricho! Mas a autora me pagou com um cheque no valor quase do meu salário do mês.

Mais tarde trabalhei num estúdio gráfico, onde ilustrava livros espiritas, didáticos e literários, foram vários trabalhos feitos ali.

Hoje ilustro quando sou convidado por algum autor especifico ou editora. Meus desenhos se assemelham aos que eu fazia no aterro do fogão a lenha, intencionalmente para me aproximar ao máximo das crianças. Explorando meus escaninhos mentais reencontro a minha criança interior; é assim como se tivesse voltado no tempo. Então coloco pra fora aqueles antigos desenhos do aterro do fogão de minha mãe.

Procuro colocar fantasia e cor nos textos que recebo, considerando a importância das imagens para as crianças, uma vez que nunca me esqueci das ilustrações dos livros com os quais fui alfabetizado.

“Era uma Vez Três Porquinhos”, “As Mais Belas Histórias”, entre outras tantas. Ainda posso fechar os olhos e ver as imagens de cada história. Portanto, tenho muito cuidado com minhas ilustrações, principalmente com a representação das crianças negras.

 

Passadiço Virtual: Apesar de não residir atualmente em Diamantina, provavelmente você acompanha de longe o cenário político da cidade. Especialmente em relação às políticas de desenvolvimento da cultura e da arte, que propostas você gostaria de ouvir dos nossos governantes?

Marcial Ávila: Pois é, não moro em Diamantina, mas participo da vida dessa cidade em que vou com muita frequência e inclusive para a qual transferi meu titulo eleitoral ha alguns anos atrás, para poder junto com a população escolher nossos governantes. Não sou um homem que só vê defeitos e falhas na administração de nossa cidade, pois sou ciente de que são nossas escolhas que fazem toda a diferença, podendo mudar o que deu errado e, portanto não é conveniente. É através de escolhas que podemos possivelmente, implantar as medidas capazes de trazerem benefícios coletivos. A cidade como patrimônio cultural da humanidade tem uma visibilidade compatível com seu titulo e, portanto deve estar preparada para tal, e não só os políticos, mas todos os cidadãos.

A secretaria que sobressai, portanto, é a da Cultura e esta deve estar em mãos preparadas. Não podemos viver de passado, retroceder, mas podemos usar o potencial para atrair turismo e pesquisas, e é com profissionais gabaritados que isto se efetiva e não só com nomeações politicas. A responsabilidade é muito grande, fazendo-se necessário uma secretaria competente e com boa vontade, além de uma equipe capacitada e coesa.

Não sou muito afeito a politica e por isto, não vou estender o assunto, muito embora a faça favoravelmente à nossa cidade em todos os lugares por onde passo pelo mundo falando de suas potencialidades.

 

Passadiço Virtual: Desde 1999, Diamantina é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade. Qual sua percepção sobre a forma com que a cidade tem tratado e se apropriado desse titulo?

Marcial Ávila: Já discorri sobre este tema na resposta anterior, mas vejo ainda muitas potencialidades não exploradas e outras banalizadas “pra Inglês ver”.

É preciso ações eficientes para não se perder o titulo que tanto ostentamos.

A cidade é um celeiro cultural; motivo pelo qual se faz necessário avaliar todas as potencialidades, abrindo concorrências, estudando projetos de peso e viabilizando os aprovados para a valorização e a preservação da cultura local. A criação de escolas de especialização em diversas áreas ligadas à cultura, também é uma boa proposta reforçando assim o titulo de patrimônio. O casario colonial está bem preservado, mas as tradições estão se perdendo. Vejo as dificuldades em manter as festividades religiosas, por exemplo! Enfim, existem muitas coisas sendo feitas, mas várias a fazer. Que a minha indignação sirva para gerar atitudes!

 

Passadiço Virtual: Agradeço profundamente sua generosa contribuição para o Passadiço Virtual. Deixo o espaço aberto para você falar sobre algum outro tema e para suas considerações finais.

Marcial Ávila: Sou eu quem agradece o espaço concedido. Preferi falar como se estivesse na esquina de casa. Com um amigo sem formalidades. Espero ter alcançado meu objetivo de levar credibilidade à minha fala.

No mais, gostaria de salientar que apesar de meus muitos anos de estrada sou consciente que ainda sou um aprendiz e a cada coleção que pinto me modifico, modificando e aperfeiçoando minha técnica. A minha família foi sempre muito compreensiva com minha escolha, mesmo não vendo os resultados concretos dela. Digo isto porque todos eles me consideravam inteligente o suficiente para fazer um “bom concurso” e garantir minha aposentadoria, mas respeitaram minha escolha em fazer o que vim para fazer: “Arte”!

Nunca vi mérito em ser reconhecido por pessoas de países distantes se eu não fosse reconhecido pelos meus amigos de infância, meus vizinhos, enfim, pelos que me são caros.

A Deus peço desculpas pelas muitas vezes que preferi não ter os dons artísticos que tenho e poder viver com dignidade e respeito a tê-los e não ter valor. Ele sabe que nas horas difíceis às vezes fraquejamos.

Ainda estou na estrada, meus objetivos se tornam mais possíveis a cada passo, mais visíveis a cada obstáculo vencido, com as qualidades que adquiri na trajetória de vida como a sabedoria, o discernimento, a constante descoberta de coisas novas e o trabalho contínuo, muito embora a vista naturalmente já se embace com o peso da idade.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Juscelino Brasiliano Roque, empresário e atual provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina

Seu nome é uma homenagem a um ilustre diamantinense e sua maior obra: Juscelino e Brasília. De família simples e humilde, filho mais velho entre os sete irmão, começou a trabalhar bem cedo em busca de melhores condições de vida para a sua família. Nas mais variadas funções e empregos, aprendeu os segredos do comércio e tornou-se empresário de destaque na cidade. Foi presidente  da Associação Comercial e Industrial de Diamantina e atualmente é o provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina.

Demonstrando uma preocupação com as causas sociais e sensível à cultura, Juscelino Roque  conta um pouco de sua trajetória, fala sobre os desafios de gerenciar as importantes mudanças na Santa Casa de Diamantina e nos faz refletir sobre as dificuldades e perspectivas para o desenvolvimento de Diamantina.

 

Passadiço Virtual: Juscelino, por favor, conte-nos um pouco de sua trajetória de vida, formação e atuação profissional. (Pretendo usar essa parte para fazer uma apresentação do entrevistado).

imageJuscelino: Nasci em Diamantina no dia 21 de abril de 1960, mais velho de sete irmãos. Filho de Antônio Roque Sobrinho, funcionário público, seresteiro, violonista, e Etelvina Vita Roque, do lar. Desde menino já assumi o papel de ajudar meus pais na formação, criação e sustento da família. Era impressionante, todo ano a fila crescia, era mais um irmão chegando.

As dificuldades eram imensas, pois funcionário público dificilmente podia confiar numa data segura para receber um salário que já era insuficiente. O que ajudava bastante era o quebra galho de serviço de bombeiro hidráulico do meu pai e eu de ajudante. Quando sobrava tempo, eu era engraxate, vendedor de picolé, de esterco, às vezes também jardineiro e ainda fazia cobrança de consulta médica para o Dr. Giovanni Pereira. Minha mãe, muito religiosa, em meio a todas as dificuldades, conduzia nossa criação sempre rezando e pedindo a Deus para a vida melhorar. Ela nos dizia sempre: Paciência, fé em Deus e disciplina!

Meu avô, Ernesto Roque dos Santos, seresteiro e amigo de Juscelino Kubitschek, quando eu nasci, resolveu fazer uma homenagem ao presidente da República, que estava naquele dia inaugurando a capital federal. Nasci junto com Brasília. O nome Juscelino foi uma homenagem ao presidente e Brasiliano em homenagem a Brasília. Ainda me lembro do meu avô sempre falando comigo que temos um erro histórico no Brasil com relação à nossa nacionalidade: Quem nasce no Brasil deveria ser brasiliano e não brasileiro. Brasiliano, da mesma forma que americano, pois brasileiro, dizia ele, estava mais para nome de profissão, da mesma forma que pedreiro, carpinteiro e outros mais.

Cresci percebendo bem de perto a cultura da dança, da música e da serenata, mas convivi mesmo foi com o trabalho, pois era através dele que matava um pouco do nosso sofrimento, pois nos faltava quase tudo, menos a fé e a esperança. Minha mãe, quase sempre com a saúde debilitada. Por isso, de tempos em tempos, acabei sendo enfermeiro, cozinheiro e tudo o mais. Meu pai, demasiadamente austero, não aceitava falhas. Aprendi desde cedo que para sobreviver teria que enfrentar com firmeza todos os desafios do cotidiano.

Estudei no Grupo Júlia Kubitschek, Escola Normal e depois no Colégio Diamantinense, onde me formei em Contabilidade. Convivi com professores excepcionais. Cheguei a iniciar o curso de Letras na Faculdade de Filosofia, mas não tive condições financeiras para continuar. No entanto sempre participei, e continuo participando, de outros tantos cursos, que acrescentaram muito para a minha formação profissional. Tive oportunidade do meu primeiro emprego na loja do Sr. Leandro Costa, D. Lígia Dayrell e Sr. Moacir Guerra, foi onde comecei a minha melhor formação comercial. Depois, fui vendedor de jóias durante um bom tempo. Viajava para o norte e nordeste do país, onde graças a Deus, aprendi a enxergar o mundo de forma mais ampla, devendo também essa oportunidade ao saudoso Senhor Tôra Pires.

Mas o que me influenciou comercialmente foi o meu primeiro emprego, daí, com muito trabalho e disciplina, iniciei meu comércio de veículos, que é o meu ramo de negócios até hoje. Atualmente a administração está a cargo do meu filho Fabrício. Casei-me, tenho três filhos e um neto. Mesmo hoje, continuo sendo responsável, de alguma forma, em guiar a família.

 

Passadiço Virtual: como atual provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina, como você avalia a saúde desta “senhora” que acaba de completar 222 anos de grandes serviços prestados á comunidade? Qual o futuro da Santa Casa? Que mudanças e investimentos estão sendo feitos durante sua gestão?

Juscelino: Com relação à Santa Casa de Caridade, posso lhe afirmar que esta “senhora” é Santa e Caridosa, é digna de todo o nosso louvor. Esta instituição, fundada em 1790, tem uma história extraordinária de serviços prestados ao ser humano, é um verdadeiro patrimônio da saúde no Vale do Jequitinhonha e que, com certeza, só chegou neste patamar com o trabalho de todos os seus ex-provedores, diretores, profissionais da saúde, funcionários, voluntários e colaboradores.

A todo o momento ela vem se preparando para os desafios e as exigências do dia a dia. Tem-se mostrado saudável e equilibrada, com o olhar voltado para o futuro principalmente. Hoje a Santa Casa é a maior empresa privada filantrópica do Vale do Jequitinhonha, com mais de 300 funcionários qualificados. Portanto, torna-se um imenso desafio conduzi-la de forma digna para o cumprimento de sua missão, impedindo os assédios temporários das facções partidárias, que por vezes somente trazem o caos e o atraso em todo o processo de desenvolvimento da Santa Casa.

Quanto à segunda parte da sua pergunta, que se refere mais especificamente à minha gestão, prefiro falar sem nomear, para não valorizar apenas o que está acontecendo momentaneamente, pois muitas coisas que hoje se tornaram realidade são consequências naturais do empenho de outros provedores e diretorias que me antecederam. Tenho que reconhecer que essa situação foi uma ferramenta importantíssima para o sucesso desta atual gestão, onde, certamente, estou cumprindo minha missão também. Ouso inclusive citar o nome do Dr. José Aristeu de Andrade, que tem sido para mim um espelho maravilhoso. Mas, a título de informação, posso citar algumas ações que, no meu entendimento, estão consolidando Diamantina como referencial macro da saúde no estado de Minas Gerais:

  • Duplicação do CTI, para 20 leitos; (Convênio com o governo do Estado de Minas Gerais);
  • Criação do GGA – Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa, com o objetivo de dar mais mobilidade, agilidade e dinamismo na gestão da instituição;
  • Conquista do credenciamento da alta complexidade para neurocirurgia;
  • Contratação da IAG, uma empresa de acreditação hospitalar, com o objetivo do aperfeiçoamento constante dos vários setores da Casa;
  • Implantação de um organograma de setorização da Casa;
  • Implantação de exame seletivo para o preenchimento de vagas no quadro funcional, tirando a possibilidade de interferências políticas partidárias e valorizando a capacidade de cada concorrente;
  • Sistema de ouvidoria permanente;
  • Valorização do programa do governo do estado de Minas, Prohosp, buscando equipar a Casa no seu parque tecnológico;
  • Parceria com a empresa Axial, que resultou na instalação da ressonância magnética;
  • Convênio já assinado com a Reitoria da UFVJM para transformação da Casa em Hospital de Ensino;
  • Convênio, com a participação da reitoria da UFVJM, já assinado com o estado de Minas Gerais no valor de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) visando ajudar na adequação da Casa para receber o curso de Medicina e estágios em áreas afins. Isso irá resultar num impacto imenso na área física da Santa Casa, com melhoria do seu parque tecnológico, duplicação da hemodiálise e aumento do seu número de leitos;
  • Restauração do prédio do primeiro hospício de Minas, que estava em ruínas;
  • Já iniciamos o processo de implantação da hemodinâmica, que será uma realidade muito em breve, pois todo o maquinário já se encontra dentro da Santa Casa. Um avanço muito grande para o Vale do Jequitinhonha, pois a Santa Casa estará habilitada a executar intervenções cardíacas;
  • Já estamos em estágio avançado de negociação com uma empresa para implantação de uma clínica oncológica, que beneficiará muito o Vale do Jequitinhonha com o tratamento de câncer;
  • Por fim, temos vários projetos em andamento com o poder público, municipal, estadual e federal.

Com essas realizações, a Santa Casa vem-se despontando, até porque estou tendo o privilégio de contar com uma diretoria competente, médicos e funcionários capacitados para exercer com profissionalismo e empenho suas funções, em sintonia com a missão de nossa instituição.

 

Passadiço Virtual: quais são os grandes desafios e as perspectivas da Santa Casa de Caridade diante da previsão de implantação do Curso de Medicina da UFVJM?

Juscelino: Já prevendo as dificuldades, principalmente para a residência médica dentro da instituição, tivemos que fazer várias adaptações no Estatuto, uma das principais foi a participação de membros da UFVJM no Grupo Gestor, o que já está proporcionando grandes conquistas e avanços para a saúde do vale. Outro grande desafio é a adequação do espaço físico, já que estamos falando de uma “senhora” de 222 anos que, para sobreviver, não poderá fugir do processo de modernização em vigor. Novos complexos terão que ser construídos, outros, por sua vez, passarão por dificuldades para serem reformados, visto que sua estrutura ainda mantém o sistema original de pau à pique.

O sucesso de uma instituição depende, dente outros fatores, de um bom relacionamento interno de seus variados setores. Nesse sentido, é imprescindível que se mantenha uma relação profícua e de excelente convívio entre a parte de ensino da Universidade e a parte funcional do dia a dia da Santa Casa. Paralelo a isso, haverá também o desafio de não se desviar o foco da missão caritativa e filantrópica que regeu a Santa Casa por mais de dois séculos. Penso que o caminho é se usar o assistencial como elemento incentivador do ensino, já que o que se propõe como perfil para o curso de Medicina em Diamantina é a valorização da atenção básica à saúde.

 

Passadiço Virtual: no período de 2001 a 2005 você foi presidente da Associação Comercial e Industrial de Diamantina (ACID) e também é um empresário de destaque na cidade. Com sua experiência e conhecimento, como você vê o atual estágio de desenvolvimento econômico da cidade? Estamos no rumo certo de desenvolvimento?

Juscelino: Tive a grata satisfação de frequentar a “escola” da ACID, que me projetou para assumir a vice-presidência da FEDERAMINAS como cargo acumulado. Na gestão da ACID, tive também a oportunidade de contar com uma diretoria formidável, voltada para os interesses maiores do nosso comércio, preocupada com os destinos de nossa querida Diamantina. Firmamos grandes parcerias, desenvolvemos um trabalho focado na interação das várias instituições da cidade. Experimentamos grandes resultados, como:

  • promoção de cursos, palestras, encontros e seminários;
  • implantação do sistema de vigilância eletrônica no centro histórico, em parceria com o poder público municipal, empresários locais e o 3º Batalhão da Polícia Militar;
  • mudança da estrutura do carnaval no centro histórico, em parceria com o poder público;
  • participação dos diretores nas comissões organizadas em diversos setores de nossa comunidade;
  • ajudamos a organizar as grandes cavalgadas que projetaram Diamantina no cenário nacional (Diamantina – Porto Seguro, Brasília – Diamantina e Diamantina – Parati);
  • modernizamos o perfil do prédio para melhor atender aos nossos associados;
  • mantivemos uma excelente parceria com o SEBRAE, o SENAC, o poder público diamantinense e outros, por meio das quais realizamos inúmeras ações que contribuíram de forma eficaz para a capacitação e o desenvolvimento do comércio local. A consequência direta disso foi a implantação do SENAC na cidade.

Temos que reconhecer que a ACID é uma das grandes ferramentas para o desenvolvimento local, no entanto existe a necessidade de uma interação maior dos vários setores da nossa organização social, para que o resultado geral seja satisfatório. Há muitos anos acompanho o desenvolvimento econômico da cidade. Percebo que existem iniciativas boas, mas muitas vezes isoladas, outras vezes direcionadas por vaidades momentâneas, outras vezes amadoras, sem um foco coletivo capaz de alavancar os mais variados setores de forma mais vigorosa. Portanto, vejo que falta um ordenamento de nossas ações, e falta a construção de planejamentos, para melhor aproveitamento do imenso potencial econômico, histórico e cultural que a cidade tem. Acho que há uma necessidade urgente de um debate amplo, para identificarmos aonde queremos realmente chegar.

 

Passadiço Virtual: diferentemente de grande parte dos empresários, você mostra uma preocupação e um envolvimento muito grande em ações sociais e de voluntariado. Por isso, alguns falam que você tem pretensões político-partidárias. Como você encara essa situação. Conte-nos um pouco dessas ações sociais?

Juscelino: Tenho 52 anos de idade, dos quais, mais de 30 de dedicação à área social, aprendi isso desde muito jovem, no seio de minha família. Acho importante, como ser humano, devolver um pouco da providência com que Deus me abençoou, à nossa comunidade, visando à melhoria de vida de todos nós. Muitas vezes me afasto de forma até perigosa de minha empresa, chegando a ser chamado atenção por minha família e alguns amigos. Tenho consciência de que estou fazendo a minha parte, dentro das minhas limitações, mas tenho a certeza também de que isso só me faz crescer, pois venho aprendendo bastante, pois é muito saudável o trabalho na área social.

Sempre me envolvi nas questões sociais, contribuindo com ações objetivas, sem maiores pretensões. Por exemplo, participei durante vinte anos, desde muito jovem, da Sopa de São Francisco para os pobres, junto com o Sr. José Paulo da Cruz e D. Edith. Dentre tantas outras ações, nos últimos tempos, fui presidente e um dos fundadores da APAC – Associação de Proteção e Assistência ao Condenado. Quando me afastei da APAC, tive o cuidado de entregá-la devidamente registrada e com um terreno de 5 hectares, doado por um detento, para construção de sua futura sede. Hoje respondo também como presidente do Conselho da Comunidade da Comarca de Diamantina, que é instituído por lei, para ajudar na execução e na fiscalização da pena. Tenho a grata satisfação de trabalhar nesse Conselho com pessoas de extremo valor humano na cidade, como por exemplo, a Dona Nina. Como se vê, envolver com as ações sociais, sempre foi uma rotina na minha vida.

Justamente talvez por essas ações, já por algum tempo, toda época de eleição meu nome é lembrado, o que me deixa até honrado. Mas, diante do contexto político partidário diamantinense, não consegui ainda fechar uma decisão sobre essa questão. Discordo muito da forma como as coisas se desenrolam, acho que prevalece um imediatismo grande, quase sempre falta planejamento e ouso até dizer que falta inclusive responsabilidade em muitos casos. Pelos discursos, a gente percebe que no geral prega-se uma ilusão imensa de quatro em quatro anos. É preciso lembrar e amar Diamantina durante todos os dias.

Portanto, no momento, prefiro continuar trabalhando com o social.

 

Passadiço Virtual: o projeto de restauração do prédio do “hospício da Diamantina” é certamente uma das mais importantes obras em realização na cidade. Parece-me que algumas tentativas foram feitas anteriormente, mas não deram certo. Por que o projeto atual está conseguindo concretizar esta recuperação? Quais são as grandes dificuldades para viabilizar esse projeto? Como a sociedade pode colaborar com esta iniciativa? Vocês já têm uma definição do futuro desse prédio?

 

imageJuscelino: Quanto à restauração do prédio do hospício, que bom que você está sensível em relação à importância da recuperação deste patrimônio, que até pouco tempo, não fazia parte do acervo paisagístico de Diamantina, estava esquecido como monumento. Por exemplo, não se via o prédio do hospício em fotos da cidade. Diamantina vai, a partir de agora, incorporá-lo de fato em seu conjunto arquitetônico.

Realmente houve outras tentativas de restauração do prédio, diga-se de passagem, todas com a mesma intenção que nos absorve agora. Ao analisá-las, procurei entender porque não haviam vingado, apesar de todo esforço das pessoas envolvidas. Estando o prédio em ruínas, na iminência de desabar, decidi, juntamente com o Grupo Gestor da Santa Casa, que deveríamos definir um estratégia urgente, que garantisse a sua sobrevivência. Optamos por um caminho não convencional, já que eu me sentia com habilidade na área de construção e restauração para conduzir essa empreitada, pois muitos entendidos desse segmento chegaram a afirmar que seria impossível e uma loucura tentar recuperá-lo.

Não deixou de ser uma loucura, pois juntei uma turma que já trabalhava comigo em obras de minha propriedade e lancei para eles o desafio. Anteriormente, alguns já haviam trabalhado comigo na empreitada que conduzi para restauração daquele antigo muro de adobe que estava, durante anos, declinando sobre o passeio, ameaçando desabar sobre os pedestres. Contei a história e a importância do prédio do hospício, fundado em 1891, e isso foi um grande motivador para que os trabalhadores abraçassem a causa. Alguns até falaram que havia histórias tenebrosas sobre o prédio, como espíritos, doenças e outros fantasmas do imaginário. No princípio, ainda teve caso de trabalhador que abandonou o serviço, dizendo que não trabalharia ali por dinheiro algum, exatamente por essas crenças.

imageJuntamente a essas atitudes, decidi que não faria um projeto arquitetônico como das outras vezes, pois não haveria tempo hábil, antes do período chuvoso. Seria o fim. Mas para justificar a restauração do prédio e sensibilizar a comunidade, recorri ao meu amigo Wander Conceição e encomendei a ele um projeto histórico-cultural que identificasse a sua importância. Resolvemos fazer a restauração do prédio do hospício seguindo o mesmo caminho escolhido para sua construção, que teve início em 1888, pelo comendador Brant, então provedor. Utilizamos um pequeno recurso financeiro da Santa Casa e recorremos à comunidade através de uma campanha de doações.

Agora, com certeza, a grande dificuldade que sempre nos perseguiu continua sendo a falta de recursos financeiros. A campanha de doações continua aberta, e essa é a maneira que a comunidade pode nos ajudar. Quero até aproveitar esse espaço, que você está me oferecendo no Passadiço Virtual, para reforçar nosso pedido de ajuda, enumerando as contas abertas para esse fim, registrando ainda que emitimos um boletim mensal com todas as informações que envolvem a restauração:

 

 

  • Banco do Brasil Ag. 0344-1 c/c 111.222-8
  • Bradesco Ag. 1861-9 c/c 5.841-6
  • Caixa Federal Ag. 0112 c/c 780-7 op. 03
  • Banco Itaú Ag. 3088 c/c 00614-7
  • [LOUCURA É NÃO AJUDAR]

Quanto ao uso do prédio, já está definido, passaremos para aquele local a sede administrativa da Santa Casa. Onde funciona atualmente a administração, o espaço será cedido para a Residência Médica da Faculdade de Medicina da UFVJM.

(Clique aqui para acessar o documento do Projeto de Restauração do Hospício de Diamantina)

 

Passadiço Virtual: que propostas você gostaria de ouvir de nossos candidatos a prefeito e vereador nestas eleições? Como cidadão e empresário, o que você espera do próximo prefeito e da câmara de vereadores que será eleita?

Juscelino: Gostaria de ouvir propostas que fossem coerentes com seus referidos cargos, que de fato fossem reais e pudessem ser colocadas em prática, sempre identificadas com a importância de uma cidade singular, que conquistou o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. E para que isso prevaleça é muito necessário que as vaidades não sejam o principal elemento condutor do processo político. Inclusive, dentro desse espírito, da mesma forma que fiz quando estava à frente da Associação Comercial, já convidei os candidatos a virem à Santa Casa para que eles tenham a oportunidade de divulgarem suas propostas para a área da saúde, principalmente em relação aos nossos projetos e nossas propostas de crescimento.

Espero que, tanto o prefeito quanto os vereadores eleitos, tenham a percepção da imensa responsabilidade que os cargos exigem, pois a cidade dependerá de suas atitudes e ações para alcançar o processo de desenvolvimento qualitativo e equilibrado que os cidadãos merecem. Há um conceito errado já de muitos anos, pois é de praxe se perguntar o que as instituições podem fazer para ajudar o candidato a se eleger. Penso que deve prevalecer o inverso: O que os candidatos, se eleitos, podem fazer pela Santa Casa?

 

Passadiço Virtual: percebo que você tem apoiado algumas manifestações artísticas e culturais de Diamantina. Como você vê o patrimônio cultural e artístico de Diamantina? Em sua opinião, como ele vem sendo percebido e apropriado pelas pessoas e pela sociedade de uma forma geral?

Juscelino: Na medida do possível, sempre apoio algumas ações culturais sim, já que acredito piamente que a cultura, o turismo e a educação deveriam ser o tripé de sustentação do nosso desenvolvimento.

Com relação ao nosso patrimônio cultural e artístico, vejo que Diamantina não foi escolhida cidade patrimônio do mundo apenas pela singularidade de seu conjunto arquitetônico, mas, principalmente, pelos seus valores humanos que conseguiram se desenvolver com magnitude, cultura e arte ímpar, num lugar distante dos centros mais evoluídos.

Sobre a percepção do título pelas pessoas, acho que precisamos promover um profundo debate e eleger, logicamente, o nosso passado como espelho para mudar essa visão míope, essa pouca percepção da importância de nosso título patrimonial e o porquê da necessidade de sua manutenção. Penso que várias das ações tomadas até hoje contemplam apenas o imediatismo e a satisfação ilusória e pequena do ganho financeiro fácil, comprometendo assim todo o sistema de desenvolvimento da cidade, como também, contribuindo para a perda de nossa identidade. Se não conhecermos quem somos, como iremos saber aonde vamos chegar?

 

Passadiço Virtual: agradeço profundamente a sua generosa contribuição com o Passadiço Virtual. Registro aqui meus parabéns pelo trabalho desenvolvido e deixo o espaço para suas considerações finais.

Juscelino: Já vejo a Universidade, através de seus agentes das mais diversas áreas, influenciando positivamente o destino de Diamantina, e isso é irreversível. Essa sua iniciativa de produzir o Passadiço Virtual está contribuindo, com certeza, para diminuir o distanciamento entre as informações. Quero deixar registrado que continuarei desenvolvendo meu trabalho social, apesar de ainda existir preconceito e desconfiança contra quem trabalha nessa área. Vejo esse tipo de trabalho como uma missão, pois acredito que Deus me colocou aqui não somente para passar de passagem pela vida, mas para contribuir com a existência humana. Além de me sentir feliz, por estar sendo útil à sociedade de alguma forma, penso que esta é uma maneira de tentar contaminar outras pessoas para terem a coragem de sair de sua zona de conforto. Agradeço imensamente pela oportunidade que me foi aberta e estarei sempre pronto a atendê-lo dentro das minhas limitações! Obrigado!