domingo, 2 de dezembro de 2012

Marcial Ávila, artista plástico e especialista em estudos africanos e afro-brasileiros

Marcial ÁvilaNascido em Diamantina Minas Gerais, auto didata já aos três anos de idade desenhava à carvão no aterro do fogão a lenha. Pintou seu primeiro quadro a óleo aos dez anos,  aos trinta ingressa-se na Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG / Escola Guignard., forma se bacharel em Artes Plasticas e torna se especialista em Escultura, cursou Desenho Animado na escola Washington Animation. Pós graduado em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros pela PUC Minas. Poeta, cenógrafo, figurinista e ilustrador com participação em mais de cento e cinquenta obras, desenhista de estamparia há mais de 20 anos. Já expôs em várias galerias da capital e também em outras cidades do país. Suas obras já alcançaram vários países do mundo, mais especificamente da Europa. Expôs também  nas cidades de Besançón e Audincourt na França. Além de participar de festivais internacionais divulgando a arte e a cultura brasileira. Idealizador da Grife Chica da Silva, produzindo moda com estamparia inspirada em motivos étnicos. Participa de fóruns internacionais sobre cultura africana e afro-brasileira,  seminários sobre racismo e inclusão social através da arte. É um dos artistas de maior destaque no cenário das artes representativas da cultura negra de Minas Gerais. Suas obras podem ser vistas na Casa da Chica, como acervo permanente do IPHAN na cidade de Diamantina Minas Gerais.

Passadiço Virtual: Marcial, por favor, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória de vida, formação artística e atuação profissional.

Marcial Ávila: É muito extensa minha história, vou tentar resumi-la.

Sempre tive habilidade com as mãos desde criança, tanto para o desenho como para modelagens, recortes, colagens e etc.

Quando ainda menino já fazia os materiais didáticos de minhas irmãs mais velhas que faziam o Curso Normal à época (cartazes de datas comemorativas e "Flanelogravuras").

Quando estudei no Grupo Escolar Profª Júlia Kubitscheck, muitas vezes fazia cartazes sobre Tiradentes, Dia das Mães, Festas juninas e etc.

Ao quatorze anos comecei a trabalhar como menor Aprendiz no Banco do Brasil. Foi uma oportunidade de ouro, pois minha família era muito grande e meus pais trabalhavam muito para nos manter.

Lembro-me que com o primeiro salário pude comprar um “fogão a gás usado" pra minha mãe, pois, me incomodava vê-la com dificuldades para acender o fogão a lenha em épocas de chuva.

Naquela ocasião meu pai foi reformado pela Polícia Militar e resolveu mudar com a família para a cidade de Várzea da Palma, eu continuei morando em Diamantina com uma irmã que havia se casado. Pouco tempo depois fui para esta cidade, influenciado pelo meu pai. Lá não tinha o segundo grau e para estudar eu tinha que ir todos os dias para a cidade de Pirapora, onde me formei Técnico em Contabilidade.

Foi um período bem difícil, pois não havia mercado de trabalho para um recém-saído do Banco do Brasil e tive que me virar para ganhar meu dinheiro. Ninguém sabe o que tive que suar para tal: Pintei cruz de cemitério, forros de mesa de Centro de Umbanda, enxovais de bebê, cenários de teatro, cartazes para todas as datas, artesanatos variados, enfim, fiz de quase um tudo pra tentar me manter.

Tempos depois, sediado em Belo Horizonte em busca de melhores oportunidades trabalhei em uma loja que vendia pneus. Confesso que foi realmente um período muito difícil para mim com todas as minhas aptidões artísticas.

Embora tenha ido em busca de estudos, as dificuldades me impediram de levar a cabo meus objetivos. Passei por toda a sorte de dificuldades e fui fazendo o que era possível como curso de cartazista, letrista, publicidade, desenho animado entre outros. Cheguei até a montar uma Agência de Publicidade.

Só mesmo aos trinta anos me ingressei na universidade, formando-me Bacharel em Artes Plásticas pela escola Guignard (UEMG) com especialização em escultura, desenho e contemporaneidade da arte. Foi um período muito difícil também, sendo a escola modernista, e eu, aparentemente "acadêmico”. Fui muito discriminado por alguns professores, quando diziam que eu nunca chegaria a lugar nenhum com meus materiais baratos e que seria um artista medíocre repetindo o que milhares de artistas já haviam feito: pintar figuras humanas!

Mas o certo é que não me deixei intimidar e tampouco, me engajar naquele jogo de sedução e continuei trilhando o meu caminho lutando para superar as adversidades.

Mais tarde, após fazer Pós-graduação em Estudos Africanos e Afro Brasileiros, na PUC Minas, tornei-me o primeiro artista plástico mineiro especialista no assunto, e segui lançando minha arte no cenário nacional.

 

Passadiço Virtual: Em sua biografia você diz que nasceu em Diamantina e aos três anos já desenhava com carvão no aterro do fogão a lenha. Com dez anos você pinta seu primeiro quadro a óleo. Refletindo sobre a sua infância e adolescência, de onde vem esta ligação com a arte? Quem o influenciou para que você trilhasse esse caminho? O ambiente e o cenário de Diamantina contribuíram neste sentido?

Marcial Ávila: Sim, nasci em Diamantina na Rua Romana, no beco ao lado da casa de Dona Benzinha. Mudamos pra Rua da Samambaia e de lá para a Vila Operária com dois anos de idade.

Untitled-2Desenhava desde muito cedo e acredito que o "dom artístico" seja de família, pois meu pai o Sargento Marcial Ávila que durante muito tempo foi disciplinário no Colégio Tiradentes, gostava de desenhar e o fazia muito bem! Minha mãe Dona Waldete Azevedo também desenhava. Nas paredes de nossa casa, na antiga Rua das Pedras havia pinturas de paisagens e animais feitas por eles, portanto, cresci nesse ambiente cheio de música, teatro e arte.

Sempre me disseram que eu sobressaia pela perfeição dos desenhos e detalhes incomuns a uma criança de minha idade! Nesta época é que comecei a fazer meus desenhos nos aterros do fogão e na rua, com varinhas de madeira depois da chuva. Muitas vezes virava uma atração fazendo com que a meninada me acompanhasse em procissão enquanto desenhava minhas figuras na terra molhada.

Lembro-me que minha mãe ilustrava nossos cadernos com lindas figuras e que os mesmos eram feitos às vezes com as folhas que sobravam dos cadernos das sete irmãs que vieram antes de mim. Minha mãe costurava as folhas em sua maquina de costura e o enfeitava para que se tornasse mais atrativo para mim.

Mas, naturalmente, o cenário colonial da cidade e suas muitas histórias me influenciaram bastante. Os festejos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário eram os que mais me agradavam.

Venho agora, abrir a público a intimidade de uma família grande, pobre, mas feliz apesar de tudo.

Vivi rodeado de histórias e fantasias, pois tínhamos o hábito de nos reunir a noite para contar casos, muitas vezes pelo meu pai e outras por minha mãe. Papai tocava violão e cantava em dueto com ela e por fim, todos nós cantávamos juntos! Era realmente muito bom! Tive uma infância muito boa na Vila Operária, com muitos amigos, muitas brincadeiras, muitos banhos no Rio da Prata onde eram lavadas as roupas da família e onde aprendi a nadar. Só depois de adulto é que vim a perceber o quão carentes éramos. Mas as fantasias criadas pelos meus pais não me deixavam perceber isto, era tudo muito lindo, mágico!!! O clima lúdico pede passagem para lembrar com carinho que dormíamos dois em cada cama, (lembrando que éramos doze filhos) e que a casa velha, cheia de buracos nas paredes e muitas goteiras era fria, mas papai colocava sua jaqueta militar sobre nós e seu cheiro de suor nos dava segurança e proteção! Ainda me lembro até hoje do cheiro das roupas do meu pai e minha mãe. Quando chovia e a casa se enchia de goteiras, ele esticava uma lona por cima das camas e esparramava latinhas pela casa para aparar a água das goteiras. Aquela sinfonia nos embalava o sono. Para mim parecia um grande circo com uma orquestra de duendes tocando seus instrumentos mágicos!!!! Todo este universo ainda hoje é motivo para minhas criações!

 

Passadiço Virtual: Chica da Silva tem uma presença muito forte em alguns dos seus trabalhos. Porém muitas são as opiniões e visões sobre esta importante personagem de nossa história. Pra você, quem foi Chica da Silva? Que mulher é esta que você pretende mostrar em sua obra?

 

DevoçãoMarcial Ávila: Este é realmente um assunto que dá "pano pra manga". Desde criança me fascinava pela história da Chica da Silva, e é lá na infância que começa minha ligação com ela. Eu era louco por conhecer a tão falada casa da chica, mas nunca tinha a oportunidade. Como já disse eu estudava no Grupo Escolar Profª Júlia Kubitschek que fica praticamente, ao lado desta mesma casa, mas papai era rigoroso demais e não nos permitia mudar o caminho de casa pra escola e muito menos o da volta. Eu ia terminar a quarta série e naturalmente iria sair de lá, e assim iria ficar mais difícil ver a casa da Chica da Silva. Então um dia desobedecendo às ordens dele, resolvi chegar até a porta da casa dela, e com muito medo e curiosidade olhei pela abertura da porta que não estava totalmente fechada. Tive uma decepção muito grande, pois não vi os objetos dourados e fantásticos que minha cabecinha havia imaginado e ali fiz um juramento de que um dia iria trazer vida e cor pra casa dela! O que cumpri 29 anos depois, com muitas dificuldades, diga-se de passagem!

Sabia que foi tão difícil levar as minhas obras de arte pra casa da Chica? Que quase fiz uma loucura em decorrência da falta de patrocínio da minha cidade Diamantina para um vernissage por ocasião da abertura da exposição das telas que seriam posteriormente doadas, naquela época, à referida casa? Expô-las na Praça do Mercado e depois colocar fogo nas telas! Que apenas os meus amigos mais chegados estiveram lá para receber o presente para a cidade? Que se se não fosse minha família, hoje não existiria a Coleção Sete Vezes Chica permanentemente exposta lá, não só para deleite da minha terra natal, mas para todo o mundo?

Mas voltando ao que interessa, por todos os meus estudos sobre ela e esquecendo a minha paixão natural pela história, posso dizer que acredito que nenhuma pessoa que tem uma vida comum, padrão, entra pra história e vira mito. É certo que sempre vou colocar paixão no que digo sobre esta mulher, pois no meio do caminho o pesquisador acabou se envolvendo pelo seu objeto de pesquisa, o que é um crime.

Creio que no principio da relação da Chica com o João Fernandes de Oliveira Filho houve dificuldades por parte dela, já havia se decepcionado com uma relação anterior da qual trazia um filho. Mas depois de tantos mimos e declarações ostensivas de amor, esta rejeição acabou se tornando também amor que só cresceu com o tempo.

Não consigo ver uma mulher lasciva, sensual, devoradora de homens. Como passou a maior parte de sua vida grávida do mesmo homem e soube educar com esmero seus filhos? Inclusive, ampliando o Educandário de Macaúbas para receber suas filhas? Vale lembrar que ela não se relacionou com nenhum outro homem depois que seu João foi levado para Portugal. Acredito que todas estas histórias de sexo que a fizeram chegar até nossos dias como uma prostituta melindrosa e cheia de artimanhas, foram tecidas pela má compreensão das sinhás da época e passadas de boca a boca. É preciso contextualizar, imaginemos uma Sinhazinha nos meados do século dezoito, com toda sua educação europeizada que certamente era castradora, lhe tirando o direito de escolher um marido, lhe colocando no lugar de objeto de negociação da família e o que é muito importante de pensar neste caso, excluía totalmente o direito ao prazer sexual por ser pecado! Pensemos agora numa filha de uma africana escravizada que trazia em sua genética o molejo do corpo, o gingado das “escadeiras” e a liberdade de mostrar as pernas e os seios tão naturais na senzala e nas terras de origem?

Duas culturas totalmente diferentes em conflito uma se impondo sobre a outra.

É neste contexto que devemos pensar em Chica da Silva, uma mulher brasileira que trazia em si a mistura destas culturas, as feições de mulher branca que agradava aos homens brancos e os atributos físicos com sensualidade natural das mulheres negras. Imaginem ainda que esta mulher ex-escrava era a companheira do homem mais rico do reino de Portugal! Com todos os luxos condizentes à sua condição... Provavelmente desta inconformidade das sinhás nasceu também uma grande inveja que fez com que aumentassem os seus delitos tornando-a o mito que se tornou!

 

Passadiço Virtual: Como estudioso da cultura Africana e Afro-brasileira. Você concorda que apesar da sua importância histórica para Diamantina os negros e a cultura negra ainda não foram devidamente reconhecidos e valorizados nesta cidade? Como você percebe este fenômeno?

GENESIS-1Marcial Ávila: Concordo plenamente! Ainda hoje é notória a diferença entre ricos e pobres, brancos e negros, reflexos indeléveis do período colonial. A pseudodemocracia racial se estabeleceu com raízes profundas nessa cidade como a gameleira no cruzeiro do largo do Rosário.

Existe uma elite decadente que se apega ao passado escravocrata pra justificar preconceitos e separatismos! Chego às vezes pensar que o "Livro da Capa Verde" ainda continua sendo o livro de cabeceira de alguns nesses casarões centenários.

Não vejo um apoio às festividades do Rosário como vejo às festividades do Divino por exemplo. Não se vê com bons olhos a dança afro, nem a capoeira e muito menos as manifestações religiosas de matrizes africanas, como o Candomblé e Umbanda!

Não digo da Marujada e nem do Congado por não serem tradições de nossa cidade, se é que não estou enganado.

Depois que a cidade se tornou Patrimônio Cultural da Humanidade nota-se que as pessoas começaram a valorizar cada pedacinho de muro construído pelos escravos, não pelo valor histórico nem pela valorosa contribuição que estes povos escravizados nos deixaram de herança, mas sim, pela especulação imobiliária, pois valoriza o imóvel e atrai turista sendo que eles trazem divisas aos interessados. Pode parecer um pouco exagerado meu depoimento, mas é o que percebo!

 

De certa forma sua arte tem aproximação com a moda. Como surgiu a ideia de criar estampas com motivos étnicos e a grife Chica da Silva? Como andam estes projetos?

Marcial Ávila: Com o advento da lei 10639/03, que torna obrigatório o ensino de cultura africana e afro brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, os "africanismos" entraram na moda, se tornando a bola da vez, e as mesmas se sentindo totalmente despreparadas para enfrentar o assunto nas salas de aulas, procuravam os recursos de que dispunham para tal. Algumas escolas começaram a me dar crédito como conhecedor desses assuntos, pelo fato de pintar figuras humanas negras, principalmente anjos e santos, antes raramente vistos, o que não era realidade. Não me sentia apto a falar sobre escravidão, negritude e assuntos correlatos pelo simples fato de pintar pessoas negras. Procurei ao máximo, informações sobre a legislação vigente para levar às escolas junto com meus quadros e livros de figuras negras. Naturalmente as crianças e funcionários das escolas ficavam interessados em minhas obras, e como é em todo o território nacional os professores não podiam comprar meu trabalho pela má remuneração já conhecida por todos; imagine então as crianças das escolas de periferia da grande BH?

Foi ai que comecei a fazer postais com replicas dos meus anjinhos negros para presentear as crianças e professores. Primeiramente com 500 postais, depois 1000 e daí por diante. Imagine isto tudo saindo do bolso de um artista pobre como eu que em 99 por cento das vezes fui gratuitamente às escolas tendo inclusive que faltar ao trabalho? Pensei em uma forma que pudesse equilibrar isto, fazendo camisetas com estampas dos anjinhos a preço de custo. Constatei a partir dai que havia um nicho no mercado e comecei a criar estampas mais elaboradas.

Com o tempo fui transformando minhas pesquisas de imagens em estampas, criando, assim a minha grife que hoje segue de vento em popa.

Precisava de um nome forte e que representasse atitude, coragem, identidade e beleza, e qual foi o nome que me veio à cabeça? Chica da Silva é claro!

Não à toa a arte da estamparia ganhou espaço imprimindo a minha personalidade em diversos motivos e composições étnicas em tecido. A estampa efusiva de animais, figuras humanas e símbolos africanos enchem os olhos e acariciam o corpo sem, no entanto, ofuscar a menina dos meus olhos, a pintura em óleo sobre telas.

Ressalto que mais tarde em respeito aos professores e alunos, voltei a estudar e me formei em especialista em Estudos Africanos e Afro Brasileiros pela PUC Minas. Dai, a convite, passei a ministrar capacitações em várias regiões do país.

 

Passadiço Virtual: Muitos não sabem, mas você já ilustrou muitos livros infantis. Quais são os critérios para desenvolver trabalhos para este publico?

Marcial Ávila: É verdade, tenho mais de cento e setenta participações em livros didáticos, técnicos e literários. Muita gente nunca ouviu falar sobre isto, assim como também não sabem que escrevo poemas e contos. Só conhecem o que é mais exposto como as pinturas da Casa da Chica e os poemas que escrevi para cada quadro. Estes já viraram desenho animado e até peças teatrais, o que me traz muito orgulho!

Tudo começou quando estava fazendo um curso de desenho animado na cidade de Belo Horizonte e namorava uma colega. Ela tinha vários desenhos para fazer e não podia fazê-los por motivos de saúde. Então, aos poucos fui desenhando pra ela em pequenos pedaços de papel oficio nos horários de almoço (quando ainda trabalhava na loja de pneus).

Depois de certo tempo ela me mostrou um livro pronto com todas as minhas ilustrações! Processo Musical de Alfabetização: Vamos Cantar e Aprender de Terezinha Mendes. Eu não sabia que os desenhos seriam para um livro didático. Fiquei muito surpreso e ao mesmo tempo chateado, pois se soubesse disso teria feito com mais capricho! Mas a autora me pagou com um cheque no valor quase do meu salário do mês.

Mais tarde trabalhei num estúdio gráfico, onde ilustrava livros espiritas, didáticos e literários, foram vários trabalhos feitos ali.

Hoje ilustro quando sou convidado por algum autor especifico ou editora. Meus desenhos se assemelham aos que eu fazia no aterro do fogão a lenha, intencionalmente para me aproximar ao máximo das crianças. Explorando meus escaninhos mentais reencontro a minha criança interior; é assim como se tivesse voltado no tempo. Então coloco pra fora aqueles antigos desenhos do aterro do fogão de minha mãe.

Procuro colocar fantasia e cor nos textos que recebo, considerando a importância das imagens para as crianças, uma vez que nunca me esqueci das ilustrações dos livros com os quais fui alfabetizado.

“Era uma Vez Três Porquinhos”, “As Mais Belas Histórias”, entre outras tantas. Ainda posso fechar os olhos e ver as imagens de cada história. Portanto, tenho muito cuidado com minhas ilustrações, principalmente com a representação das crianças negras.

 

Passadiço Virtual: Apesar de não residir atualmente em Diamantina, provavelmente você acompanha de longe o cenário político da cidade. Especialmente em relação às políticas de desenvolvimento da cultura e da arte, que propostas você gostaria de ouvir dos nossos governantes?

Marcial Ávila: Pois é, não moro em Diamantina, mas participo da vida dessa cidade em que vou com muita frequência e inclusive para a qual transferi meu titulo eleitoral ha alguns anos atrás, para poder junto com a população escolher nossos governantes. Não sou um homem que só vê defeitos e falhas na administração de nossa cidade, pois sou ciente de que são nossas escolhas que fazem toda a diferença, podendo mudar o que deu errado e, portanto não é conveniente. É através de escolhas que podemos possivelmente, implantar as medidas capazes de trazerem benefícios coletivos. A cidade como patrimônio cultural da humanidade tem uma visibilidade compatível com seu titulo e, portanto deve estar preparada para tal, e não só os políticos, mas todos os cidadãos.

A secretaria que sobressai, portanto, é a da Cultura e esta deve estar em mãos preparadas. Não podemos viver de passado, retroceder, mas podemos usar o potencial para atrair turismo e pesquisas, e é com profissionais gabaritados que isto se efetiva e não só com nomeações politicas. A responsabilidade é muito grande, fazendo-se necessário uma secretaria competente e com boa vontade, além de uma equipe capacitada e coesa.

Não sou muito afeito a politica e por isto, não vou estender o assunto, muito embora a faça favoravelmente à nossa cidade em todos os lugares por onde passo pelo mundo falando de suas potencialidades.

 

Passadiço Virtual: Desde 1999, Diamantina é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade. Qual sua percepção sobre a forma com que a cidade tem tratado e se apropriado desse titulo?

Marcial Ávila: Já discorri sobre este tema na resposta anterior, mas vejo ainda muitas potencialidades não exploradas e outras banalizadas “pra Inglês ver”.

É preciso ações eficientes para não se perder o titulo que tanto ostentamos.

A cidade é um celeiro cultural; motivo pelo qual se faz necessário avaliar todas as potencialidades, abrindo concorrências, estudando projetos de peso e viabilizando os aprovados para a valorização e a preservação da cultura local. A criação de escolas de especialização em diversas áreas ligadas à cultura, também é uma boa proposta reforçando assim o titulo de patrimônio. O casario colonial está bem preservado, mas as tradições estão se perdendo. Vejo as dificuldades em manter as festividades religiosas, por exemplo! Enfim, existem muitas coisas sendo feitas, mas várias a fazer. Que a minha indignação sirva para gerar atitudes!

 

Passadiço Virtual: Agradeço profundamente sua generosa contribuição para o Passadiço Virtual. Deixo o espaço aberto para você falar sobre algum outro tema e para suas considerações finais.

Marcial Ávila: Sou eu quem agradece o espaço concedido. Preferi falar como se estivesse na esquina de casa. Com um amigo sem formalidades. Espero ter alcançado meu objetivo de levar credibilidade à minha fala.

No mais, gostaria de salientar que apesar de meus muitos anos de estrada sou consciente que ainda sou um aprendiz e a cada coleção que pinto me modifico, modificando e aperfeiçoando minha técnica. A minha família foi sempre muito compreensiva com minha escolha, mesmo não vendo os resultados concretos dela. Digo isto porque todos eles me consideravam inteligente o suficiente para fazer um “bom concurso” e garantir minha aposentadoria, mas respeitaram minha escolha em fazer o que vim para fazer: “Arte”!

Nunca vi mérito em ser reconhecido por pessoas de países distantes se eu não fosse reconhecido pelos meus amigos de infância, meus vizinhos, enfim, pelos que me são caros.

A Deus peço desculpas pelas muitas vezes que preferi não ter os dons artísticos que tenho e poder viver com dignidade e respeito a tê-los e não ter valor. Ele sabe que nas horas difíceis às vezes fraquejamos.

Ainda estou na estrada, meus objetivos se tornam mais possíveis a cada passo, mais visíveis a cada obstáculo vencido, com as qualidades que adquiri na trajetória de vida como a sabedoria, o discernimento, a constante descoberta de coisas novas e o trabalho contínuo, muito embora a vista naturalmente já se embace com o peso da idade.