domingo, 26 de maio de 2013

Professor Peterson Marco de Oliveira Andrade, ex-Diretor da Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão da Santa Casa de Caridade de Diamantina e Hospital de Nossa Senhora da Saúde

Foto - Passadiço Virtual

 

Ele é Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neurofuncional, Mestre em Ciências da Saúde – Faculdade de Medicina – UFMG e Doutor em Neurociências – ICB- UFMG. Foi docente do Centro Universitário Izabela Hendrix (Belo Horizonte) e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucurí – UFVJM – Campus de Diamantina-MG. Nesta última instituição atuou como Diretor da Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão da Santa Casa de Caridade de Diamantina e Hospital de Nossa Senhora da Saúde. É pesquisador na área de saúde coletiva e neurociências, com artigos em periódicos nacionais e internacionais. Atualmente é docente da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF – Departamento de Medicina e Fisioterapia – Campus de Governador Valadares.

Nesta entrevista exclusiva ao Passadiço Virtual o Professor Peterson nos fala sobre a sua passagem por Diamantina, especialmente sobre a sua visão sobre as dificuldades e as perspectivas para a área da saúde em Diamantina e no Vale do Jequitinhonha.

Passadiço Virtual: Professor, fale-nos um pouco de sua trajetória profissional e da experiência de viver e trabalhar em Diamantina.

Professor Peterson Marco: Minha trajetória acadêmica e profissional está relacionada com a saúde pública/coletiva. No ensino médio trabalhei com uma iniciação científica relacionada com o estudo da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, mais conhecida como AIDS. Vivíamos no auge desta doença na década de 90 e se tratava de um assunto com muito destaque nas escolas e meios de comunicação. Entrei no curso de fisioterapia com esta experiência de iniciação científica e ações de educação em saúde em escolas e ONGs. Durante o curso de fisioterapia, mantive o trabalho com projetos extracurriculares através de ações de educação em saúde sobre AIDS e tabagismo. Minha formação foi dentro do modelo biomédico; centrado na doença, no tratamento, reabilitação e na clínica. Por outro lado, eu estava a procura do conhecimento da saúde pública, mas na graduação não tive esta oportunidade de forma concreta. Fiz especialização na UFMG na área de fisioterapia neurofuncional. Durante a especialização, tive um maior contato a pesquisa na área de ciências da reabilitação. Neste curso de pós graduação Lato Sensu fiz disciplinas eletivas de Saúde Pública na Faculdade de Medicina da UFMG. Durante o curso destas disciplinas na UFMG, percebi a lacuna de conhecimento que eu tinha sobre os aspectos conceituais e jurídicos relacionados com a saúde coletiva. As disciplinas que fiz na UFMG foram uma ótima oportunidade para eu relacionar a legislação do SUS com as atraibuições e competências dos profissionais da saúde, definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos da Saúde. Neste momento tive a oportunidade de entrar para a docência no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Nesta instituição estive por seis anos atuando diretamente com os aspectos teóricos e práticos do SUS na atenção básica. Trabalhei no Centro de Saúde Cidade Ozanam em Belo Horizonte. A estrutura e organização deste serviço de atenção básica é até hoje uma referência, pois havia liderança, metas, resultados, trabalho em equipe e muito respeito e valor pelo trabalho do fisioterapeuta na atenção básica. Não tive esta percepção em Diamantina. Encontrei serviços sem nenhuma estrutura para o trabalho das equipes, profissionais desmotivados, alta rotatividade dos profissionais e carência de reuniões das equipes. Diante disso, a experiência de Belo Horizonte passou a ser referência. Além disso, existem unidades básicas em cidades da região de Diamantina, tais como Couto Magalhães de Minas, Datas, Presidente Kubitschek e Gouveia com uma melhor estrutura e organização que Diamantina. Diante disso, percebemos que a gestão pública da saúde, representa o aspecto mais importante para uma atenção à saúde com qualidade e resolubilidade; para o atendimento aos princípios constitucionais do SUS. Diante destas observações, cheguei em Diamantina com vontade de repetir o trabalho de Belo Horizonte, mas o contexto de estrutura, gestão e processos realizados em Diamantina não permitiram muitos avanços. Tive ainda a experiência em cinco hospitais de Belo Horizonte, Nova Lima e Contagem com projetos relacionados com a Política Nacional de Hunanização. Foi uma experiênicia muito rica para os desafios que encontrei na direção dos hospitais de ensino em Diamantina. Sobre a cidade de Diamantina, foi uma excelente experiência. Diamantina apresenta ótimas oportunidades culturais e para o ecoturismo. Além disso, tem ótimos restaurantes e uma população muito acolhedora. Não tenho dúvidas que minha qualidade de vida melhorou muito depois da minha chegada nesta linda cidade. Voltarei para visitar os amigos e curtir o clima frio e acolhedor desta cidade.

2. Passadiço Virtual: Professor Peterson, mesmo que o senhor tenha permanecido pouco tempo na cidade, vemos que conseguiu ter uma diferenciada visão sobre a saúde em nosso município. Quais os principais indicadores e como está a saúde em nossa região? Quais são os nossos principais obstáculos e desafios?

Professor Peterson Marco: Seguem alguns dados abaixo que fundamentam minha opinião sobre o sistema de saúde de Diamantina – MG.

Dados de Diamantina/Vale do Jequitinhonha:

1- Resolubilidade para alta complexidade: 27,53% - Média do Estado de Minas Gerais = 88,4%

2- População em 2012: 46.125 – Fonte: IBGE, 2012

3- Número de pessoas cobertas com planos de saúde em 2012: 5.100 pessoas – Fonte: ANS, 2012

4- População coberta por PSF em 2013 : 67,32% - Fonte: Ministério da Saúde, 2013

5- Investimento em saúde por habitante – 2009: R$ 231,72 – Ministério da Saúde, 2009

Outros dados de Diamantina podem ser consultados pelos instrumentos de gestão disponíveis para qualquer cidadão no portal do Ministério da Saúde: 1) Plano Municipal de Saúde de Diamantina (2010-2013); e 2) Relatório Anual de Gestão de 2011 elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde de Diamantina e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde.

A primeira análise que faço é: Diamantina apresenta uma população de 89% que depende exclusivamente do SUS. Diante disso, precisamos de um sistema de saúde eficiente. Mesmo estes 11% que tem planos de saúde, usam o SUS de alguma forma. Casos de urgência e emergência, por exemplo, são atendidos pelo SUS. Se você precisa de uma consulta de emergência, os profissionais dos planos de saúde, muitas vezes, não tem disponibilidade. Diante disso, temos duas opções: 1) vamos para o pronto atendimento do SUS ou 2) pagamos uma consulta particular. Desta forma, pagamos por um serviço de saúde por três vezes: impostos, plano de saúde e particular. Essa é a realidade! Mesmo com planos de saúde não temos a garantia de atendimento imediato ou cobertura para a nossa necessidade. Os planos de saúde fazerm o ressarcimento das consultas particulares, mas de acordo com a tabela do plano. 20% de ressarcimento, em média. Com isso, o SUS precisa ser eficiente. É a porta de entrada do usuário para um atendimento e a maioria da população depende exclusivamente do sistema público. A segunda análise é a baixa resolubilidade que temos no Vale do Jequitinhonha. É o maior vazio assistencial que temos em Minas Gerais, pois temos a menor resolubilidade (27,53%) nesta região. Este vazio assistencial faz com que os usuários tenham que ir para Belo Horizonte para um tratamento ou consulta de alta complexidade em diversas áreas, tais como na área de oncologia e cirurgias em diferentes especialidades (oftatalmologia, ortopedia, cardiologia, vascular, etc). Uma última análise inicial trata-se da cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Diamantina tem uma cobertura para a ESF abaixo da média de Minas Gerais que é de 70% de cobertura. Considerando que 89% dependem exclusivamente do SUS, esta cobertura deveria ser no mínimo de 90% da população. Com isso, temos que avançar para uma maior cobertura da ESF para a população de Diamantina. Abaixo seguem alguns itens que o município de Diamantina ainda NÃO REALIZA conforme pode ser observado no Termo de Compromisso de Gestão (TCG) de Diamantina:

1- NÃO APRESENTA ESTRUTURA FÍSICA NECESSÁRIA PARA A REALIZACÃO DAS ACÕES DE ATENCÃO BÁSICA, DE ACORDO COM AS NORMAS TÉCNICAS VIGENTES;

2- NÃO APRESENTA A PROGRAMACÂO DA ATENCÃO A SAÚDE, INCLUÍDA A ASSISTÊNCIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE, EM CONFORMIDADE COM O PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE, NO ÂMBITO DA PROGRAMACÂO PACTUADA E INTEGRADA DA ATENCÃO A SAÚDE;

3- NÃO APRESENTA A MONITORIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA APLICACÃO DOS RECURSOS FINANCEIROS PROVENIENTES DE TRANSFERÊNCIA REGULAR E AUTOMÁTICA (FUNDO A FUNDO) E POR CONVÊNIOS;

4- NÃO APRESENTA PROTOCOLOS DE REGULACÃO DE ACESSO, EM CONSONÂNCIA COM OS PROTOCOLOS E DIRETRIZES NACIONAIS, ESTADUAIS E REGIONAIS;

5- NÃO APRESENTA PROTOCOLOS CLÍNICOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS, EM CONSONÂNCIA COM OS PROTOCOLOS E DIRETRIZES NACIONAIS E ESTADUAIS;

6- NÃO APRESENTA A MONITORIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA EXECUCÃO DOS PROCEDIMENTOS REALIZADOS EM CADA ESTABELECIMENTO POR MEIO DAS ACÕES DE CONTROLE E AVALIACÃO HOSPITALAR E AMBULATORIAL;

7- NÃO REALIZA A AUDITORIA ASSISTENCIAL DA PRODUCÃO DE SERVICOS DE SAÚDE, PÚBLICOS E PRIVADOS, SOB SUA GESTÃO;

8- NÃO APRESENTA POLÍTICAS DE GESTÃO DO TRABALHO, CONSIDERANDO OS PRINCÍPIOS DA HUMANIZACÃO, DA PARTICIPACÃO E DA DEMOCRATIZACÃO DAS RELACÕES DE TRABALHO;

9- NÃO CONSIDERA AS DIRETRIZES NACIONAIS PARA PLANOS DE CARREIRAS, CARGOS E SALÁRIOS PARA O SUS - PCCS/SUS, QUANDO DA ELABORACÃO, IMPLEMENTACÃO E/OU REFORMULACÃO DE PLANOS DE CARREIRAS, CARGOS E SALÁRIOS NO ÂMBITO DA GESTÃO LOCAL;

10- NÃO IMPLEMENTOU E PACTUOU DIRETRIZES PARA POLÍTICAS DE EDUCACÃO E GESTÃO DO TRABALHO QUE FAVOREÇAM O PROVIMENTO E A FIXACÃO DE TRABALHADORES DE SAÚDE, NO ÂMBITO MUNICIPAL, NOTADAMENTE EM REGIÕES ONDE A RESTRICÃO DE OFERTA AFETA DIRETAMENTE A IMPLANTACÃO DE ACÕES ESTRATÉGICAS PARA A ATENCÃO BÁSICA.

11- NÃO FORMULOU E PROMOVEU A GESTÃO DA EDUCACÃO PERMANENTE EM SAÚDE E PROCESSOS RELATIVOS A MESMA, ORIENTADOS PELA INTEGRALIDADE DA ATENCÃO A SAÚDE, CRIANDO QUANDO FOR O CASO, ESTRUTURAS DE COORDENACÃO E DE EXECUCÃO DA POLÍTICA DE FORMACÃO E DESENVOLVIMENTO, PARTICIPANDO NO SEU FINANCIAMENTO;

12- NÃO IMPLEMENTOU OUVIDORIA MUNICIPAL COM VISTAS AO FORTALECIMENTO DA GESTÃO ESTRATÉGICA DO SUS, CONFORME DIRETRIZES NACIONAIS.

Estes itens levantados pelo Termo de Compromisso de Gestão não foram realizados pela gestão passada. Implantá-los, são os maiores desafios para o atual gestor.

Passadiço Virtual: O senhor foi diretor da Direção de Ensino, Pesquisa e Extensão (DEPE) dos hospitais. Explique para nós o que este órgão é e qual a situação atual dos convênios entre a UFVJM e os hospitais (Santa Casa e Nossa Senhora da Saúde). As duas instituições de saúde já são considerados hospitais de ensino?

Professor Peterson Marco: A DEPE faz parte do Conselho Diretor do Hospital de Nossa Senhora de Saúde e do Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa de Caridade de Diamantina. Esta diretoria trata da interação da UFVJM com estas duas unidades hospitalares. Os cursos da saúde da UFVJM (odontologia, enfermagem, fisioterapia, nutrição e farmácia) já atuam nestes hospitais há muito tempo. Porém, com o processo de criação do curso de medicina foi necessário criar este convênio para que estes hospitais sejam campo de práticas do curso de medicina e para que eles sejam credenciados como hospitais de ensino. Para um hospital ser considerado de ensino, é preciso que se tenha o internato do curso de medicina e residências médicas. Por isso, este assunto iniciou-se com a criação do curso de medicina da UFVJM. Considerando que o curso de medicina da UFVJM ainda não iniciou-se, os hospitais não podem solicitar o credenciamento neste momento, mas o trabalho para este credenciamento já iniciou-se com as assinaturas dos convênios e trabalho da DEPE dentro dos conselhos administrativos dos hospitais. A DEPE atua como mediadora entre os interesses assistenciais das instituições de saúde e a missão educacional da universidade. Considerando o artigo 200 da constituição de 1988, o SUS deve ser um campo de prática para a ordenação dos recursos humanos da saúde. Isso está sendo feito nas duas unidades hospitalares de Diamantina e antes da criação do curso de medicina.

Passadiço Virtual: Quais são as informações mais recentes sobre o curso de medicina da UFVJM? Vimos também que os residentes médicos chegaram aos nossos hospitais. Isto está relacionado ao curso de medicina? Estes residentes têm vínculo com a universidade?

Professor Peterson Marco: Sim, os residentes médicos recebem uma bolsa do Ministério da Educação conquistada pela UFVJM e por isso o vínculo dos residentes é com a UFVJM, mas o campo de prática é a rede de atenção à saúde de Diamantina e região. O curso de medicina é um grande avanço para o Vale do Jequitinhonha que apresenta diferentes carências e por isso é o maior vazio assistencial da rede hospitalar. Por isso, apresenta a menor resolubilidade da alta complexidade de Minas Gerais. Os docentes para o curso de medicina estão chegando e novos concursos estão em andamento. Esse é o principal avanço necessário para uma universidade: Conquistar recursos humanos ou melhor dizendo: valorizar o capital intelectual, pois a formação universitária se faz, principalmente, com este recurso.

Passadiço Virtual: A atenção primária à saúde, aquela que acontece nos postos de saúde, é a base do SUS. Qual é o diagnóstico da atenção primária em Diamantina? Quais os principais desafios para o próximo secretário municipal de saúde?

Professor Peterson Marco: Os resultados das ações de saúde dependem de uma boa estrutura para o trabalho dos profisisonais e acesso dos usuários. Precisamos ainda de bons processos de trabalho. Ou seja, é preciso de recursos físicos e humanos e que sejam bem organizados. Boa organização depende de liderança. Inexistiu liderança de qualidade para a atenção primária de Diamantina. Isso não foi culpa, na minha opinião, dos profissionais que passaram pela função de coordenação de atenção primária. Isso foi culpa da gestão não investir neste tipo de liderança. De valorizar o trabalho dos coordenadores da atenção primária. Na gestão passada me lembro de pelo menos quatro pessoas neste cargo. Esta elevada rotatividade, falta de investimento e apoio para estes coordenadores, pode ser uma causa da falta de liderança do município para a atenção primária. Percebi em vários momentos que os profissionais estavam desmotivados. Sem interesse pela inovação. O próximo gestor precisa motivar os profissionais de alguma forma. Um bom trabalho do secretário municipal de saúde, conforme os pontos levantados no Termo de Compromisso de Gestão, podem motivar os profissionais para um trabalho de excelência. Outro ponto crítico é a elevada rotatividade dos médicos da atenção primária e mesmo quando há médicos existe a falta de cobertura nos seus períodos de férias. Isso aumenta a demanda para os prontos atendimentos da Santa Casa de Caridade de Diamantina e Hospital de Nossa Senhora da Saúde. Esta evidência atrapalha o combate ao modelo hospitalocêntrico de atenção à saúde, pois os usuários passam a não acreditar mais na eficiência da atenção primária. O governo municipal precisa investir na atenção primária para que a população acredite na capacidade de resolução de seus problemas de saúde neste ponto de atenção. A gestão municipal precisa aproveitar melhor os cursos da saúde que temos na universidade. Fui melhor aproveitado em Belo Horizonte do que em Diamantina pelo gestor municipal. Em Belo Horizonte existem reuniões regulares da equipe da gestão com todos os docentes que atuam na atenção primária. Isso não aconteceu em Diamantina. Quem sabe pode ser uma ideia para o próximo gestor. Trata-se de usar o capital intelectual que existe em Diamantina, em favor da saúde da população. Qualquer cidadão lúcido e inteligente entende isso.

Passadiço Virtual: O que o senhor acha que falta para Diamantina realmente exercer seu papel de polo regional na saúde?

Professor Peterson Marco: O primeiro ponto muito carente em Diamantina, é a falta de qualidade da gestão municipal da área da saúde. Considerando a presença da universidade, com todo seu capital intelectual e possibilidade de ajuda com os estágios e residências, é difícil compreender como a atenção básica/primária de Diamantina é tão precária. Se na área urbana de Diamantina, falta estrutura e condições de trabalho, imagine nos distritos de Diamantina. Caótica a situação. Sem contar a grande dificuldade de acesso, pois as estradas são precárias. Diamantina precisa ser referência de atenção à saúde e isso pode ser construído com serviços de referência em saúde e ensino. Um sistema municipal de ensino em saúde pode ser construído. Chamaria isso de um município escola. Depende do apoio o iniciativa da gestão municipal. Esta iniciativa foi implantada em Fortaleza. A implantação dos itens descritos na segunda questão desta entrevista são fundamentais para que Diamantina seja efetivamente um polo regional de qualidade na área da saúde. As práticas do século XVIII não podem ser usadas da mesma forma no século XXI. Precisamos avançar com a integração dos esforços da gestão, atenção/serviços de saíde, controle social e ensino/universidade. A liderança do gestor municipal é um ponto chave para isso, pois as visões de cada setor da sociedade é na maioria das vezes fragmentada. O gestor municipal deveria apresentar uma visão mais ampla e por isso é o principal ator para este papel.

Passadiço Virtual: A Santa Casa de Caridade e o Hospital Nossa Senhora da Saúde são duas instituições sem fins lucrativos que prestam serviço à comunidade, mas que também recebem investimento de dinheiro público. Como o senhor avalia as relações entre estas instituições ao longo do tempo e, principalmente, agora com a presença da DEPE nos hospitais.

Professor Peterson Marco: Percebendo e avaliando o contexto em que estive inserido desde novembro do ano passado (2012) é possível concluir que as relações entre estas instituições não eram e não são amenas. Disputas políticas, por serviços e recursos financeiros existiram e existem. Trata-se do cenário colocado pelo gestor estadual. Já disse em algumas reuniões nos hospitais, que este cenário de disputa, poderia ser amenizado pelo governo do estado. Um exemplo conhecido é o serviço de oncologia que “Diamantina perdeu para Curvelo”. Considerando a disputa em Diamantina, pelos dois hospitais, o governo do Estado escolheu Curvelo para ser a referência para o Vale do Jequitinhonha. Outro momento de disputa que eu percebi na direção da DEPE foi a disputa entre os municípios de Minas Novas, Turmalina e Capelinha por um Centro Especializado em Reabilitação (CER). Com a disputa, o governo do estado definiu que a referência continuará a ser em Diamantina. Com isso, os aprendizados foram que as disputas, as vezes, geram o atraso do desenvolvimento da região ou cidade, pois o governo do estado vai preferir manter como está; ou levar o serviço para longe do local onde existe qualquer tipo de disputa, por uma prestação de serviço.

Acredito que com a DEPE nos dois hospitais, este cenário de disputas pode ser amenizado, pois a universidade pode atuar na mediação de possíveis conflitos em favor do ensino e atenção a saúde para os usuários do SUS do Vale do Jequitinhonha e região. Toda esta população utiliza dos serviços hospitalares de Diamantina. Além disso, outras regiões ampliadas de saúde como Curvelo e Guanhães utilizam os serviços de Diamantina como referência. Um exemplo de divergências ou falta de consenso entre os hospitais, é a construção de uma nova estrutura hospitalar em Diamantina. A DEPE atuou e manterá seu trabalho na interlocução dos diferentes interesses envolvidos.

Passadiço Virtual: A construção de um hospital regional fora do centro histórico de Diamantina é um projeto futuro? Quais as reais chances e o que precisa ser feito para que isso se torne realidade?

Professor Peterson Marco: É um projeto futuro idealizado inicialmente pelo provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina, Sr. Juscelino Roque. O reitor da UFVJM, Prof. Dr. Pedro Angelo, já tinha idealizado um desenvolvimento e urbanização do terreno em frente ao Campus de Diamantina da UFVJM. Diante disso, as idéias se juntaram e já houve uma conversa do reitor da UFVJM, em março deste ano, com o Secretário Estadual de Saúde de Minas Gerais, Dr. Antônio Jorge. O objetivo da reunião na Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, foi para o apoio da Câmara Legislativa para o desmembramento do terreno do Parque Estadual do Biribiri. Esta área pertence ao parque e precisa da aprovação da Câmara Legislativa. Desta forma, Diamantina terá a oportundade de criar uma outra área para crescer. Esta reunião contou ainda com a presença dos provedores e representantes dos hospitais de Diamantina, do Deputado Federal Marcus Pestana, do Deputado Estadual Luis Henrique e minha como diretor da DEPE. A construção de hospitais regionais já representa uma realidade em Sete Lagoas, Divinópolis, Governador Valadares, Uberlândia e Juiz de Fora. Diamantina não pode ficar com a atual estrutura, pois não permite modernizações pelas regras do patrimônio histórico gerenciadas pelo IFHAN. As chances são grandes, pois o governo estadual mostrou-se interessado em contribuir para o desemembramento do terreno, mas as oposições locais para esta iniciativa, podem atrasar o processo de inovação da atual estrutura hospitalar de Diamantina. Acredito que o atual gestor municipal deve reunir os interesses dos usuários do SUS de Diamantina que precisam de um melhor acesso aos serviços do SUS. E isso depende de uma melhor estrutura. Na minha opinião, os gestores, sejam eles da esfera municipal, estadual e federal, devem ter como prioridade a atenção à saúde e melhores condições de ensino para os futuros profissionais da saúde. Sejam eles médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e de todas as outras áreas. O problema é que, muitas vezes, os interesses políticos, pessoais e econômicos superam os interesses maiores de um município ou serviço de saúde. Como eu disse, é claro que uma estrutura do século XVIII não vai suportar as demandas do século XXI. Parabenizo, por isso, a coragem do provedor da Santa Casa de Caridade e o apoio do GGA para esta iniciativa. Acredito que as oposições locais serão superadas em favor da qualidade da atenção à saúde de Diamantina e Vale do Jequitinhonha. É isso que importa: amenizar o sofrimento das pessoas que apresentam um problema de saúde.

Passadiço Virtual: O senhor também foi pioneiro nacional na implantação de uma residência específica para o curso de Fisioterapia. Fale-nos sobre este projeto e como ele se encontra.

Professor Peterson Marco: Um programa de residência de fisioterapia, com o foco na atenção primária, é uma necessidade para o processo de formação de futuros profissionais que irão atuar no Núcleo de Apoio à Saúde da Família, nas secretarias municipais ou estaduais e em qualquer programa de atenção à saúde do SUS. Na verdade, este programa de residência foi criado por um grupo de professores: Prof. Cláudio Heitor, profa. Débora Vitorino, profa. Denise Falci e profa. Vanessa Lima. Em seguida o prof. Fábio Martins entrou no grupo de docentes da residência. Lembro bem que eu estava em doutoramento na UFMG e o programa não seria viável sem um trabalho em grupo e de equipe. A residência é realizada neste momento no município de Presidente Kubitschek e Diamantina. Hoje temos dois residentes (R1) com atuação neste primeiro município e uma R2 em Diamantina. Hoje temos uma visão da residência na rede de atenção do SUS. O foco ainda é a atenção primária, mas o entendimento da rede de atenção à saúde, se faz necessário para uma melhor assitência às pessoas com deficiências e com necessidades de um serviço de reabilitação. Trabalhos da nossa residência, foram apresentados no Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da ABRASCO no ano passado em Porto Alegre e temos precebido o caráter inovador dos processos de trabalho que implantamos nos campos de prática. Em breve dois artigos das nossas ações inovadoras serão publicados em uma revista nacional e outro em uma revista internacional e estarão disponíveis na base Scielo e Medline/Pubmed, respectivamente.

Foto - GGA e Provedor na entrega da Homenagem da SCCDPassadiço Virtual: Recentemente acompanhamos pelos meios de comunicação que o senhor recebeu uma importante homenagem da Santa Casa de Diamantina. Que homenagem foi essa e o que ela representa para o senhor?"

Professor Peterson Marco: É verdade. Recebi uma Homenagem Especial do Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa de Caridade de Diamantina pelos serviços prestados enquanto Diretor da DEPE UFVJM/SCCD. Além da placa da homenagem, fui agraciado com a Comenda Ermitão Manoel de Jesus Fortes - Fundador da Santa Casa de Caridade de Diamantina em 1790. Confesso que eu não esperava este reconhecimento, pois estive na DEPE somente durante seis meses e iniciei apenas a estruturação desta nova diretoria da universidade. Esta homenagem representa o reconhecimento de um curto trabalho nesta instituição. Entrei na função de diretor e encontrei um contexto interno e externo adverso. Tive que “remar contra a maré”. Uma maré contrária dentro da universidade. Os desafios externos, de interagir uma universidade federal com duas instituições hospitalares, externas à universidade são absolutamente naturais. Acredito que as lideranças da Santa Casa de Caridade de Diamantina perceberam o contexto adverso que encontrei e por isso o trabalho foi reconhecido e valorizado. Procurei defender os interesses da Santa Casa de Caridade da mesma forma que os interesses da universidade. Participar da administração de uma instituição de 223 anos foi uma honra. Receber uma homenagem como essa ainda mais, pois considero que o trabalho foi iniciado, mas ainda é preciso muito trabalho para a superação dos desafios de um hospital que recebe docentes, acadêmicos de graduação e pós graduação. Resumindo, fiquei muito feliz com a homenagem, pois sei que este gesto é raro e foi efetivamente sincero e especial por parte do Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa de Caridade de Diamantina. Agradeço em especial ao provedor Sr. Juscelino Roque. Juscelino é um administrador com visão de futuro. É um empreendedor da área da saúde. Um perfil raro considerando o cenário do sistema de saúde do Brasil.

Passadiço Virtual: Professor Peterson, agradecemos a sua importante colaboração para o debate sobre a saúde em Diamantina e deixamos o espaço para suas considerações finais. Desejamos a você muito sucesso em seus novos desafios.

Professor Peterson Marco: Eu que agradeço a oportunidade de compartilhar algumas evidências relacionadas com o contexto do sistema de saúde de Diamantina. Na verdade esta é a realidade de vários municípios do Brasil, pois o interesse econômico supera, na maioria das vezes, o interesse do bem comum. Existem outros pensamentos que tenho relacionados com o dilema do cenário da atenção à saúde que não ocorre somente em Diamantina, mas corresponde a realidade do Brasil. Deixarei com vocês uma cópia do meu discurso de abertura do I Fórum dos Hospitais de Ensino de Diamantina. Neste discurso, eu apresentei alguns dilemas que vivemos no sistema de saúde de Diamantina e que não é diferente na maioria dos municípios do Brasil.

Precisamos operacionalizar o quadrilátero para a formação dos profissionais de saúde. O ensino universitário precisa se aproximar da gestão do sistema de saúde, do controle social e dos serviços de saúde. Precisa existir uma retroalimentação destes quatro elementos para uma efetiva educação de qualidade do ensino superior. Com uma melhor educação universitária, penso que teremos profissionais mais comprometidos com os usuários e serviços do SUS. Problemas no ensino repercutem nos serviços de saúde. Por isso, precisamos diminuir as disputas corporativistas e acadêmicas e eliminar a falta de conhecimento da realidade que existe dentro do meio universitário. Desafio complexo, mas de possível resolução.

Não poderia deixar de agradecer aos colegas de Departamento do Curso de Fisioterapia da UFVJM, em especial aos professores Wellington Gomes e Renato Trede. Acredito que não chegamos em lugar algum sem pessoas que marcam de alguma forma, a nossa trajetória. Agradeço a eles pela amizade e por terem sido colegas de trabalho que me ajudaram no exercício das minhas funções nesta diretoria. Além disso, agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram para esta minha passagem em Diamantina. Diamantina já faz parte da minha trajetória e pode ter certeza que eu não esquecerei da cidade e dos amigos que aqui fiz. Muito obrigado !